Imperativo
(Claude Bloc)
 
Quando cheguei, a porta já estava aberta. Interrompi o momento. Talvez escrevesse um prefácio ou uma dedicatória para alguém. Presumo. Mas encontrei o mesmo silêncio definitivo. Imperativo. Todos os ruídos eram semelhantes ao silêncio que habitava em mim. Somente quebrado pela fricção entre a caneta e a folha de rascunho.
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Olhei em volta. Nada mudou. A inquietante estranheza era minha. E, no entanto, na desordem aparente que se alojava no quarto, havia sempre um sorriso hospitaleiro e afável nos recantos e nas paredes.
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Escrevi. Mais um pouco. Eu vivia a síntese, escrevia o ensaio. No papel lembranças em desalinho. Quis sorrir. Mas me custava fingir. Não conseguia entender as coisas novas que me cingiam num abraço dolorido.
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Quis esquecer. Parodiar o sentimento, brincar corpo a corpo com o espelho. Reflexo refletido. E eu o deixei ali na esperança de não perdê-lo. Não vou mais. Tenho os olhos úmidos como esta manhã de maio. Todas as distâncias para povoar a saudade. Mas agora só posso escrever.
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As pessoas têm medo dos sentimentos fortes. Medo, medo. Eu não tenho.. Por isso, custa-me sonhar aos poucos. Quero descalçar dos pés os sentimentos.. Quero despertar, apalavrando as voltas cíclicas de uma manhã dentro de mim. Amanhecer. É... é assim. Porque mesmo onde não chego, vou sempre com um lápis pronto a alvejar o poema.
 
Quando cheguei, flechei a porta e deixei o tempo entrar.
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Por Claude Bloc