DESPEDIDA

 
A janela que me propiciou uma visão esplêndida por vários anos está triste. Ela via as nuvens se movimentando como bailarinas em pleno ar. As árvores próximas estendiam seus braços, entrando pela casa, para me tocar com suas mãos enfolhadas. Tudo com a permissão da janela, sempre aberta, acolhedora. Todo ano, no inverno outonal elas se despem. Em outubro os pequis florescem. Mas antes disso acontecer eles hibernam. O pequi é uma árvore de aparência rústica. Caule de cerne e folhas consistentes. Até o final de julho todas as folhas já caíram, formando um tapete protetor à sua volta. É nesta época que ele mostra sua força e, contraditoriamente sua fragilidade. Os pequis ficam nus. Expostos às incompreensões, a ponto de alguns as consideram árvores mortas. E podem se transformar em carvão. O pequi ensina como conviver com as intempéries.
    Mesmo no inverno rigoroso, com seu cinza, agourento, novas formas de cores adornam a paisagem do cerrado. Ipês. Amarelo, roxo, rosa, branco... Pata de vaca, a orquídea dos pobres, como disse Rubem Alves em uma de suas crônicas. E uma infinidade de espécies, cujos nomes não sei. Mas isso importa? Vale mesmo é a beleza ofertada e todas as cores são únicas, harmônicas. Assim como as flores dos ipês, as flores dos pequis são breves. Do caule e de suas folhas duras surgem flores de pétalas macias, aveludadas. Amarelo suave. Acariciam a pele e me beijam. Da janela eu sempre contemplava o movimento das plantas, dos insetos, pássaros... Naturalmente encantado.
    Em outubro as flores se transformam em frutos, mas ainda não estão no ponto de colher. Ainda são bebês. Mas crescem rápidos. Como os bebês. Em dezembro saem do berço. Caem literalmente. Hora então da colheita. Na queda muitas cascas se abrem, expondo o fruto de um amarelo e cheiro fortes. Estático e extático mais uma vez fico diante da criação. Quanta generosidade! Dizem e o meu conhecimento empírico comprova, que o pequi é afrodisíaco. Mas não pensem que a natureza, em toda a sua generosidade seja tola. Se não houver reciprocidade ela reage. Toda ação gera uma reação.
    Agora uma parede enorme tapou a minha visão e a da janela, que parece querer me dizer “ah esta ausência de luz e cor”.
As construções de casas avançam. Tudo vai ficando cinza, concreto. Paredes, muros... O verde desaparece.
    Despeço-me do solo que me acolheu com generosidade. Partirei para contemplar novas paisagens.


Esmeraldas, maio 2013.

Imagem: jef - chácara de Esmeraldas - MG


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