A incrível e triste história do cabaré da Tarcília e de uma igreja desalmada

Quando você vê uma peça de Ariano Suassuna, uma telenovela de Dias Gomes ou lê García Márquez, pensa: de onde vem tamanha criatividade? Como eles conseguem misturar situações fantasiosas em contextos tão realistas e criar uma obra mágica?

Bom, é fato que tal inspiração e qualidade narrativa só aparecem conjuntamente em talentos incomparáveis, como os citados, mas, se for simplesmente para achar o mote surreal do conto, basta gastar um pouco de sola de sapato e dar uma passeada pela vizinhança para ouvir uma historinha aqui, um causo ali, um ocorrido acolá e da realidade arrancar a ficção. Senão, veja o relato que corre à tecla pequena web afora e que, dizem, teria acontecido na paradisíaca cidade cearense de Aquiraz. Se é verdade ou não, fantasiemos. O certo é que poderia render uma peça daquelas. Ah, se renderia!

Dona Tarcília Bezerra, proprietárias de um cabaré, estava a construir uma nova área para o seu estabelecimento de entretenimento. Decidiu fazê-lo porque as atividades do local estavam em franco crescimento, dada a melhoria de vida dos locais após a criação do seguro desemprego para pescadores, além da implantação, nos últimos anos, de diversos outros modelos de bolsas auxílio. E aqui vai um adendo: não façamos julgamento dos benefícios das ditas bolsas, não vem ao caso nesta crônica, pois cada um consome o que lhe convém.

Porém, um tanto quanto escandalizados com o sucesso do cabaré, os integrantes de uma igreja evangélica local iniciaram uma forte campanha para frear a dita expansão do prédio. O método usado para tal? Sessões e mais sessões de orações pela manhã, à tarde e à noite. Amém!

Era, portanto, dona Tarcília, seus operários e operárias erguendo, a toque de caixa, os tijolos de um lado e os fieis rezando para derrubá-los do outro. Tudo parecia correr normalmente até que, faltando uma semana para a reinauguração do Bataclan... digo, do comércio, um raio despencou e atingiu em cheio o cabaré, queimando as instalações elétricas e provocando um incêndio que destruiu o telhado e grande parte da construção.

Após a destruição do local, o pastor e os frequentadores da igreja passaram a se gabar "do grande poder da oração". E quem não se gabaria?

Então, dona Tarcília, num movimento inesperado, processou a igreja, o pastor e toda a congregação sob o argumento de que eles "foram os responsáveis pelo fim de seu imóvel e de seu negócio, utilizando-se da intervenção divina, direta ou indireta e das ações ou meios por ela realizados”.

Muito melhor que Dias Gomes, diria o Macaco Simão.

Na contestação à ação judicial, a igreja negou veementemente toda e qualquer responsabilidade ou ligação com o fim do edifício. Se até Pedro, o apóstolo, negou, e três vezes, por que não o fariam os discípulos contemporâneos, não é mesmo?

O juiz a quem o processo foi submetido leu a reclamação da autora, a resposta dos réus – deve ter dado aquela coçada na cachola – e, na audiência de conciliação, comentou:

– Eu não sei como vou decidir este caso, mas uma coisa está patente nos autos: Temos aqui uma proprietária de cabaré que firmemente acredita no poder das orações e uma igreja inteira declarando que as orações não valem nada!

E agora?

Se quer uma sugestão, seu juiz, faça como no filme O Milagre da Rua 34 e, tendo a nota de Real e o dizer “Deus Seja Louvado” nela presente como prova, dê razão à dona Tarcília. Afinal, se o Governo do Brasil acredita no divino a ponto de deixar tamanha confiança pública e documentada em sua moeda, quem é o Estado do Ceará para negar que o raio tenha descido, e justo no alvo, sob encomenda?

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