Felicidade de fundo



 
                        O título da crônica, logo de início, poderia até sugerir, numa associação macabra, uma felicidade defunta, com esse infeliz trocadilho.
                        No entanto, amigos e amigas, a ideia é encontrar alguma felicidade neste mundo cada vez mais estranho e louco. Parece que estamos perdendo o pé neste oceano de todas as calamidades possíveis e imaginárias.
                        O filósofo Bertrand Russell, que na mocidade chegou a cogitar de suicídio, acabou por encontrar um estilo de vida que o tornou relativamente feliz, mesmo nas circunstâncias mais adversas. E foi ele que falou nessa felicidade de fundo. Vou dar um exemplo que me ocorre neste exato momento. Recordo-me, como se fosse hoje, de um amigo casado,  que me dizia:  “Gilberto, na hora em que saio para o meu trabalho, é como se eu fosse para o paraíso. Quando retorno, entro no inferno de novo”. Antes que o leitor comece a imaginar coisas terríveis, digo logo o motivo da frase. É que meu amigo era casado com uma mulher muito neurótica, que implicava com tudo. Criticava os modos do marido, tinha ciúmes, estava sempre com dor de cabeça e realmente tornava a vida em comum um verdadeiro inferno.
                        Claro que os amigos já notaram que o sacrificado marido tinha essa tal felicidade de fundo, apesar das circunstâncias. O trabalho era o paraíso dele e foi vivendo com esse fundo de felicidade até o fim da vida, chegando quase aos cem anos de idade.
                        A minha amiga leitora poderá estar se perguntando: “ mas, e daí? conheço muita gente assim.”  Sim, concordarei, existe muita gente nessa situação e só estou contanto isso, justamente porque vi hoje uma enfermeira no bar onde tomo meu cafezinho matinal, em conversa com uma amiga, gritar essa frase pra todo mundo ouvir: -“Meu casamento só se  sustenta    por causa da   minha alegria e do  meu bom humor."                                       Nesta frase, vi o acerto insofismável do filósofo. É o que ele pregava e arrematava dizendo que  aquele que vive reclamando da vida,  acaba se tornando um “chato de galocha” e sério candidato a uma infelicidade permanente.
                        No meu caso, que sou dado a ter crises existenciais, como por exemplo, não me conformar com a impermanência da nossa vida, com o envelhecimento,  não saber o que estamos fazendo aqui na terra e outros que tais, aprendi mais uma lição do filósofo, a de ter uma esperança inalcançável. Calma, amigo leitor, consigo ver a sua cara de espanto: -“Como? Esperança inalcançável?”  O  filósofo quer dizer que não devemos ficar presos à nossa vida pessoal, pois qualquer falha facilmente nos leva ao desespero. Assim, quando levantamos as vistas para um projeto maior, impessoal, dificilmente iremos desesperar. O cientista que se envolve em suas descobertas úteis para a sociedade não se abaterá com as circunstâncias negativas de sua vida particular.
                       Talvez, os poetas românticos se enquadrem nessa recomendação, pois não se cansam de buscar o amor eterno...

                        Modestamente, mesmo sem saber se meu caso  se encaixa na lição do filósofo,  vou levando  a minha vidinha, com essa felicidade apenas de fundo, usando o meu subterfúgio especial.  Quer dizer, mantenho a esperança inalcançável de que um dia a humanidade vai acertar o passo... Ou não, como diria o Caetano Veloso, filosoficamente.