"Confiança é boa, controle é melhor”. Esse lema, atribuído a Lênin, que declara a desconfiança um princípio social, está presente em todo o nosso agir e sentir. Quando hoje um político ou um líder na economia diz qualquer coisa, a gente se pergunta imediatamente qual é a intenção dele. Não se aceitam as palavras como são, mas lhes atribuímos um sentido oculto. Desconfiança é necessária, e é equiparada a um realismo sadio. Funciona em muitas situações, como quando um dono de uma empresa faz uma declaração e talvez queira, com isso, somente fazer subir a cotação da bolsa ou alcançar vantagens econômicas. Mas tal desconfiança tem ainda outro lado: do mesmo modo como julgamos outras pessoas, olhamos também para nós mesmos. Tudo que fazemos é determinado por alguma intenção. Mesmo a ciência parece reforçar o ceticismo. Quando os biólogos afirmam que o ser humano está orientado, antes de mais nada pela sobrevivência, e geneticamente programado para otimizar seus genes, ou quando cientistas sociais defendem a tese de que a moral serve para camuflar defeitos natos, da mesma forma isso contribui com a ótica de descrença. Também é verdade que vemos tudo isso diariamente: nosso agir é determinado por alguma finalidade, orientado por certas vantagens. Aquilo que não combina com nossa visão de mundo é descartável. É difícil encontrar pessoas sem segundas intenções. Sempre vinculamos interesses paralelos às nossas realizações. Ninguém consegue captar o que queremos verdadeiramente. Muito poucos escutam as palavras; a maioria procura alguma coisa por trás delas.

Esse pensamento orientado pela finalidade define nossa percepção da realidade. E motiva nossa ação. Quando ajudamos, queremos que isso nos faça parecer “gente boa” e que resulte diante da sociedade em pontinhos em favor de nós ou de nossos interesses. “Faça o bem e fale sobre ele” tornou-se um princípio de marketing amplamente reconhecido. Levamos a bandeira da ecologia para conquistar melhores chances no mercado. Ao estudar as frases de efeito dos políticos e empresários, muitas pessoas se perguntam se são verdadeiras ou somente retórica. Já estamos tão contaminados pelo pensamento atrelado a finalidades que dificilmente acreditamos que alguém pense no que diz e depois também atue conforme essas suas palavras, não porque tenha algum interesse dissimulado, mas porque julgue isso certo e queira ser autêntico.

Estamos sofrendo com essa instrumentalização de todo falar e agir, com a determinação da nossa percepção sobre o nosso pensamento ligado a segundas intenções, e sentimos o anseio por franqueza e gratuidade. Em um mundo onde as emoções perturbam as nossas ideias, sentimos falta de clareza e sinceridade de intenções, de pessoas com um coração puro, que ajam sem subterfúgios, que reconheçam suas opiniões e que digam o que enxergam como verdade, sem frase de efeito ou manipulação. Sentimos falta da pureza do coração.
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Republicação dedicada ao meu irmão João Carlos e à noiva dele,  Ingrid, após o que conversamos ontem à noite.  Ambos vão se casar no próximo sábado, dia 25.
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 22/05/2013
Reeditado em 26/05/2013
Código do texto: T4302837
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