Crônica duma aventura próximo à gente ruim, gente boa, e da “moqueca aventureira”

O texto acaba por ser um serviço de utilidade pública. Vale a leitura.

Dona Lili bem que poderia dar o start a essa dissertação que farei aqui sobre a aventura a que me permiti, e à minha esposa, nesse feriado de carnaval – o que sugiro que uma hora dessas você também se permita, e à sua família, pois revigora tudo. Mas foram tantas as surpresas, e aventuras, que resolvi começar pela moqueca de camarão que pensamos que comeríamos no primeiro lugarejo que entramos no inicio da Linha Verde. Mas o fato é que a que nos levou esse singelo ato de alimentar-nos com a escolha dum prato específico, obriga-me a dividir com você a maravilha que foi. A moqueca, que viria a protagonizar uma aventura, saiu, pagamos, apanhamos as ‘quentinhas’ e seguimos. Ao provar, a surpresa: não era moqueca, era ensopado de camarão ao dendê. Sim, por que moqueca que se respeita tem pimenta, de preferência malagueta e cozida junto, no nome: tem que arder.

Decepcionados, todos - estávamos em quatro: eu, minha mulher, e um casal de cunhados (nos perguntando de quem foi a brilhante idéia de generalizar cozinhando toda moqueca sem pimenta sem antes perguntar sobre a preferência do freguês) – depois de parar no primeiro boteco à beira da estrada na esperança de encontrar pimenta inteira, natural, mas que, sem sucesso, compramos um recipiente plástico, mais precisamente uma bacia, e jogamos ali toda a comida, seguindo em frente parando em cada caco de telha que avistávamos às margens da estrada, mas nada. Mas não desistimos. Afinal, encasquetamos que sem pimenta não comeríamos e ponto. E achamos a pimenta, finalmente. Em Aracaju.

O detalhe, além do fato de que a comida, a essa altura, gelada, já quase inexistia pelas beliscadas que a fome ia nos impondo que déssemos estrada acima – e vale a regra para tudo na vida - está em que nem sempre quando algo não sai conforme se planejou, a coisa signifique festa arruinada. Que nada: foi a, Aventura! Começa que o plano era não reservarmos pousada alguma, mas sair sem rumo, sem destino nos três primeiros dias. Tendo apenas o Sítio do Conde como parada final na terça-feira, penúltimo dia das férias. Para dormir, a idéia era abordar algum casal de idosos, que nos inspirasse receptividade para a abordagem, que encontrássemos tomando fresca à noite na porta de casa e fazer a proposta: sem querer ofender, xis reais e 10 piadas por hora para dormirmos essa noite na sala da sua casa! - E a moqueca sem pimenta acabou sendo apenas a desculpa para irmos parar em Sergipe.

Em Sergipe, já noite, antes de Aracaju, na cidade de Estância, nos vimos numa localidade praiana chamada Abaís. - Lugar feio pra dedéu, salvo pelas praias, sem infra-estrutura apesar de ser bem povoado, com boas casas; onde dormimos numa pousada, local que encontramos de calor só o mormaço desprendido das paredes que acumularam quentura o dia todo. E onde nos cobraram uma grana pelo pernoite, com café da manhã – tão frio e sem graça quanto a receptividade dos seus gestores – mas que oferecia um espaço interno até legal para estacionamento e uma piscina. E só.

Pé, no meu caso, mão no acelerador, chegamos em Aracaju. E como Deus é justo para com quem ama o seu próximo, sobretudo aquele que não come sem olhar para os lados, eis que avisto um lava-rápido. Entro - com o carro relativamente limpo, o que até gerou uma contestação da minha mulher -, lavo a viatura, e quando estou na manobra para sair, o que avistamos? Dezenas de pés de pimenta malagueta, e maduras. Um manjar. Foi uma festa dentro do carro. Ganhamos um galho, de presente, com uma centena delas. Pronto: sem pimenta não comeríamos mais dali pra frente. Pelo menos, não moqueca.

Saímos e desembocamos na praia de Atalaia. Lembra do que faz Deus com os que agradecem ao invés de reclamar da vida à todo momento, e respeita seus semelhantes? - Praia lotada: mais carro que areia. E do nada avisto um cantinho onde não só cabia o nosso carro, mas que deu até para estacioná-lo embaixo da barraca, me permitindo comer à sombra sem ter que passar pelo desconforto de ser tirado do carro para a cadeira-de-rodas (já que àquela hora sentia dores pois havia esquecido de tomar certo medicamento). E pra coroar, o garçom pra lá de espirituoso: como aperitivo, uma das dele foi a resposta diante da sua pergunta se pagaríamos com cartão, quando respondi que com o que ele quisesse: dinheiro, cartão, cheque, ou um aperto de mão. Ao que ele completou: se não tiver nada disso, aceitamos também um abraço ou um sorriso. Pronto, preferimos trazer sua imagem como fiel representante do povo sergipano.

Dormiríamos em Atalaia, mas um acidente fatal ocorrido poucos metros a nossa frente, no nosso campo de visão, nos abalou um pouco e resolvemos sair de Sergipe retornando pela Linha Verde, parando no Sítio do Conde. Até então não sabíamos se encontraríamos vaga em alguma pousada, considerando o feriadão. Mas, surpreendentemente, encontramos algumas. O detalhe é que as disponíveis, com estrutura, e receptividade, zero. Já os preços...

Passava das nove da noite. Agora imagine a situação: praia o dia todo, viagem, comigo dirigindo, e eu com a bunda colada no banco esse tempo todo sem poder dar nem uma viradinha pra descansar ao menos uma das bandas! Já estava sendo vencido pelo cansaço e quase, quase caindo de novo na armadilha que atende por estrutura zero e receptividade idem. Mas, mais uma vez, a providência d’Aquele que não deixa desamparados os seus, me apresenta a pousada Praia dos Coqueiros. E lá dentro, dona Lili. Figura que não merece, nem na ordem do texto, ser superada por qualquer dissabor que tenhamos vivido, por que não, nessa epopéia. Por isso a deixarei em stand by: o fechamento será seu.

Pernoitados, descansados, e bem alimentados com um revigorante café da manhã servido por nossa nova e adorável anfitriã, e saindo para uma visita às praias locais, envolvido pela curiosidade me vi compelido a entrar numa pousada às margens da estrada que dá acesso à praia de Barra do Itariri: entramos num paraíso. Isso do ponto de vista da estrutura, localização, sua praia exclusiva, e do atendimento. Por que presenciaríamos ali – pelo menos protagonizado por aquela leva - a maior concentração de falta de educação e soberbia por metro quadrado da história recente da humanidade, sem exagero algum, advindo de pessoas, a princípio, de berço: os hóspedes – salvo raras exceções. O lugar, que além de belo, extremamente higienizado, preços de estadia bastante acessíveis, e que serve uma comida de excelentíssima qualidade, atende por pousada Coco Beach. Lá, talvez por uma falta de sorte, ou não uma vez que com tudo se aprende nessa vida, acabaríamos por conviver com pessoas que não lhe respondem a uma saudação, um singelo, mas muito representativo bom-dia. Muito menos terem a iniciativa de saudar seus companheiros de lazer. Isso agravado pela indiferença com a qual a maioria tratava os atendentes. Estes, muito cordiais, diga-se de passagem. Tanto o chef Renato (esse, pelo pouco que vimos deu pra notar que trata-se duma fera da gastronomia), quanto o Paquito, Hulk, Faraó, Jorge, Tatu, Carlos, Dinho, Jeferson, e os demais, fechando com o administrador, Beto. Todos, pessoas agradabilíssimas e comprometidas com o resultado da proposta do lugar, que é a de promover bem-estar aos seus hospedes. Sorte da administração, que, alem de contar com um quadro de qualidade, tem em todos uns polivalentes nas funções. Um show.

Voltando aos “porretas”, o momento extremo, que coroou, às avessas, o desprezo que grande parte da turma hospedada lá dá à sociabilidade, e ao humanismo, foi quando, ao tentar acessar a área da piscina através duma rampa, tive a cadeira inclinada para frente, com minha mulher em pânico tentando evitar minha queda, e algumas pessoas, 4 mulheres e 1 homem, sentadas a uns três metros de nós sem que se mexessem do lugar. Parecíamos invisíveis. Acredite. Um horror. Fomos, naturalmente, socorridos por um dos garçons.

Era de impressionar, e entristecer: aquelas pessoas se comportavam como se fossem mesmo superiores, melhores umas que as outras. Ou, no mínimo, diferentes. Sorrisos gratuitos? Interatividade? Simpatia com os garçons? Era tipo perna de cobra no dito popular em época de São João: quem avistasse morria. Havia alguns que nem olhavam no rosto dos rapazes ao serem servidos, acho que evitando ter que dizer o bom e velho muito obrigado/a – Se tivesse tido a oportunidade – até tentei criá-la mas não davam espaço – teria lembrado aos tais, criando uma fábula para não agredir os bacanas, que o último contato que todos temos na terra, tenha andado de jegue ou de Ferrari, é com um coveiro. Que, pelo que se sabe, não é rico nem anda nas altas rodas (mensagem que um bocado despreza)...

Mas com o Criador das Coisas sempre no controle, lá estava o casal Gustavo e Lenice, 29 anos de casados, ambos evangélicos, ela muito dada e falante; ele um advogado de hábitos e comportamento extremamente humildes – vale registrar, os dois também horrorizados com o comportamento da maioria dos hóspedes, conforme desabafaram conosco logo na nossa chegada – com quem nos enturmamos, e conversamos muito. Era tanto assunto que até brincávamos dizendo sempre ao fim de cada bate-papo, que como diz Jô Soares quando a conversa é boa, “logo mais, o segundo bloco”. No nosso caso foram muitos os blocos. Pois o casal viveu uma fantástica lição de vida. Que, talvez em outra oportunidade acabe escrevendo um texto exclusivo (será enriquecedor no sentido espiritual), caso permitam, para dividi-la aqui com você, caro/a, leitor/a. – O detalhe é que a afinidade entre nós e o casal, que estava acompanhado do filho adolescente e um amiguinho seu, foi tamanha que acabamos ficando só nós - num total de oito pessoas - na pousada depois da partida dos melhorzinhos, na quarta-feira de cinzas.

Porém, como a proposta aqui é dividir com você o que principalmente de bom aconteceu na viagem, volto com dona Lili. Essa criatura – assim como sua família, que trabalha com ela, compreenda-se aí, a filha, a sobrinha Márcia, a ex-cunhada, e o esposo - além de ter nos feito esquecer os dissabores quais tivemos com a frieza de donos de outros estabelecimentos do gênero, seja em Sergipe ou na Bahia, acaba por ser o consolo, do ponto de vista do respeito às pessoas, aos seus semelhantes, independente do fato de ser dona de pousada. De ser uma comerciante, que vive no corre-corre. Mulher dada, amável, carinhosa, atenciosa (mesmo com a demanda a atender com a casa lotada), preocupada com o bem estar dos seus hóspedes, nos fez sentir um encanto todo especial pela forma que nos tratou - sobretudo à minha pessoa - na nossa breve passagem por lá – por razão da distância entre as barracas de praia das proximidades e o estacionamento, já que a cadeira-de-rodas não anda na areia.

Entretanto, como resultado da ópera, apesar de alguns, valeu cada momento vivido nessa jornada - por isso a dica na abertura do texto. Assim, fica aqui o registro tanto do desprezo ao comportamento de grande parte dos hóspedes com os quais nos últimos três dias dividimos o espaço na Coco Beach, quanto da satisfação por ter conhecido, além do seu quadro de funcionários, e ao Gustavo, esposa e filho, também à família de dona Lili, da Praia dos Coqueiros, igualmente localizada no Sítio do Conde, como já disse. Onde, de quebra, acabamos por comer uma das melhores moquecas de camarão, cozida com pimenta, dos últimos tempos.