O que mais elas querem?

Semana passada, peguei um ônibus rumo ao parque, estava indo me encontrar com a Marina, minha namorada, e como todo bom paulistano despreocupado durante sua folga, resolvi observar ao meu redor. Passando os olhos pelos passageiros, vi dois caras de mais ou menos uns quarenta anos, os dois exibindo suas alianças douradas e rindo. Essa situação nunca me chamaria atenção, senão fosse pelo que aconteceu a seguir: seus olhares debochados se voltaram para baixo, para a cintura de uma moça que estava à frente deles.

Ela carregava um livro universitário debaixo do braço (sei qual era porque se parecia com o de Marina) e deu a notar que reparara no que acontecia às suas costas. E que não gostava disso.

Os dois continuavam rindo, mas agora com uma boa dose de malícia em seus rostos. Faziam comentários estúpidos tão diretos à moça que só faltavam chamá-la pelo nome e dizer “ei, como tu és gostosa! Tá a fim de sair hoje?”. Aquilo já me deixava nauseado, mas a aliança em suas mãos piorava tudo. Os dois não davam a mínima nem para a mulher ali no ônibus nem para a que provavelmente encontrariam em casa, mais tarde?

Queria desesperadamente que chegássemos logo no ponto em que aqueles caras desceriam, para não ter mais que assistir àquilo, e para que a moça não mais sofresse, quando o mais alto deles simplesmente passou a mão pelo corpo dela. Logo depois o ônibus parou e os dois saíram, ainda rindo.

A dor nela estava tão óbvia que pensei poder senti-la. E talvez realmente a sentisse. Pensar que vivia num mundo onde um ser humano é tratado como um animal em exposição me doeu, e doeu mais ainda lembrar que não apenas aquela moça estava suscetível àquilo, mas também minha mãe, minha irmã mais nova e a Marina…

Tive vontade de ir até a moça e pedir perdão por nossa cultura revoltante que a colocava naquele tipo de situação e ainda perguntava “mas que direitos elas ainda querem? Já não podem votar?”, mas foi essa mesma cultura que me calou, e então tudo o que ofereci a ela foi um olhar compassivo e meu lugar no banco. A garota sorriu e agradeceu, e pouco depois, chegamos ao meu ponto.

Antes de descer, olhei uma última vez para trás e sussurrei:

- Nos desculpem.

emilylibanio
Enviado por emilylibanio em 30/05/2013
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