Batalha da Chuva Repentina

Era domingo e o almoço ainda descia. Todos estavam sentados e pensavam coisas suaves – os assuntos importantes já haviam sido todos discutidos. Vivia-se um silêncio raro, uma pausa para que todos buscassem dentro de si um novo assunto. Pois foi então que o chefe da família esticou o pescoço até a janela com ar de curiosidade e, ao certificar-se do que se passava, voltou-se para nós e sentenciou gravemente: “Está chovendo”.

Essas duas palavras provocaram certo alvoroço em nós. Primeiramente, ficamos espantados, e instintivamente olhamos todos para a janela. Pudemos ver então com nossos próprios olhos: sim, estava chovendo. A nossa tranquilidade de domingo foi subitamente abalada. Lembramos que havia toalhas estendidas lá fora. E, como se não bastasse, alguém acrescentou que as janelas do sótão estavam clamorosamente abertas.

A visão das toalhas tomando chuva apavorou-nos. As mulheres soltaram gritinhos e as pernas dos homens tremeram. Ainda assim, levantou-se um pequeno exército, formado pelos nossos mais bravos e corajosos homens, que se dispôs a enfrentar a chuva e tudo o mais que dela surgisse. O nobre objetivo desses valentes homens era trazer as desprotegidas toalhas para um abrigo, onde não se molhariam e estariam salvas.

Devo dizer que a missão foi cumprida com êxito, e certamente, em algum lugar, a Marinha do Brasil deu uma salva de tiros em homenagem aos guerreiros que ousaram enfrentar tamanhas intempéries. No entanto, o pelotão designado para subir ao sótão e fechar as janelas que, inadvertidamente, haviam ficado abertas, sofreu algumas baixas: houve alguns móveis que ficaram molhados, sem que nossos homens nada pudessem fazer para evitar.

Esses homens retornaram visivelmente humilhados, mas nem por isso deixaram de ser condecorados, pois sem a sua corajosa atitude fatalmente haveria uma tragédia ainda maior. E depois de alguns minutos, as coisas voltaram a se acalmar. Foi então que a senhora da família achou por bem comentar que podia sentir o cheiro da chuva. Todos apuraram o olfato e, encantados, concordaram de forma unânime.

Depois disso, cada um se entregou aos seus próprios pensamentos, que cheiravam à infância. E, nessa distração, algumas das nossas crianças tentaram caminhar em direção à chuva, que ainda caia levemente. Com desculpas variadas e alguns subornos, conseguimos convencer grande número delas a entrar. E foi então que alguém olhou para o céu e viu uma pomba pousada num cabo de energia, com as asas abertas, aproveitando a chuva para se lavar.

A inesperada visão constrangeu a todos, e aceleramos os passos rumo ao interior da casa, antes que o clima de nostalgia fosse além do limite para uma família de bem. Também houve uma garota que se demorou um pouco mais, e que só tornou a entrar quando olhou para cima mais uma vez. E deu graças a Deus.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 31/05/2013
Código do texto: T4318184
Classificação de conteúdo: seguro