Uma crônica retirante

No fundo é uma coisa meio triste, essa de revirar o passado dos outros. Aqui estou eu pesquisando a vida de pessoas que viveram há dois séculos, e que nem ao menos são minhas. Mas elas me são simpáticas, e é com alguma ternura que vou reconstruindo aos poucos os passos que elas deram enquanto estiveram neste vale de lágrimas. Aquele ali casou tarde, já tinha 36 anos. A mulher tinha 30, mas ainda assim tiveram seis filhos. Quando nasceu o caçula, ela já estava com 45 anos. São alguns detalhes frios dessas famílias, todas com histórias bem parecidas. E como se mudavam essas pessoas!

Eu as encontro em vários terrenos diferentes de uma mesma aldeia, e muitas vezes em aldeias diferentes, porque nunca tiveram terra alguma, e então precisavam andar vagando por todo canto, sempre em busca de onde pudessem levar uma vida um pouco melhor, ser menos explorados do que costumavam ser. Um dia se cansavam dessa vida sem estabilidade, sem perspectiva, e sem outra alegria que não a música, e decidiam dar um passo maior, se mudar para mais longe, e então vendiam todo o pouco que tinham, caminhavam a pé até uma estação ferroviária e lá pegavam um trem que os levaria até um porto, onde finalmente entrariam em um navio e só voltariam a pisar no chão dois meses depois, já no Brasil.

Por aqui adquiriam terras, construíam uma nova vida, mas não deixavam de sofrer, e com o sofrimento não deixavam também de se mudar, e em pouco tempo já estavam todos espalhados pela região, igualzinho na Europa, cada um buscando um jeito de viver melhor, de sofrer menos, de ter mais condições. Parece que a tendência do homem é mesmo migrar.

Lembrei-me dos bucovinos que, naturalmente, vieram da Bucovina ao Brasil. A Bucovina fica na Romênia, mas não foram romenos que vieram ao Brasil. Foram famílias que moravam na Boêmia, e que um belo dia decidiram sair de lá, caminhando, a pé mesmo, e atravessaram metade da Europa até chegar na Bucovina, onde se estabeleceram, mas só até o momento em que perceberam que precisavam se mudar mais uma vez, agora pelo oceano. Também as famílias boêmias não são precisamente boêmias, mas bávaras. Um dia foram incentivadas a atravessar a fronteira que separa os dois territórios, e aceitaram.

Ah, como são tristes essas histórias de mudanças! Porque as decisões podem ser bem acertadas e racionais, mas nunca se consegue esquecer aquilo que se deixou pra trás. E como, fatalmente, vai continuar havendo dificuldades, em qualquer lugar onde a pessoa estiver, um dia ela irá se perguntar se não fez foi uma tremenda besteira, e quem sabe até daria para se ajeitar por lá mesmo onde ela estava, era só se esforçar um pouquinho mais. Mesmo entre os imigrantes havia gente querendo voltar. E haveria de qualquer jeito, mesmo que tivéssemos largado uma vida de escravidão no Egito e estivéssemos a caminho da Terra Prometida. Também é a tendência do homem.

E, mesmo tanto tempo depois da época da imigração, continuamos a fazer a mesma coisa, pois ainda não estamos satisfeitos e nem nos são oferecidas as oportunidades que desejamos e, quem sabe, até merecemos. É por essas e outras que estou em Brasília, e daqui mesmo vos deixo a minha global saudação.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 10/06/2013
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