UMA VISÃO CAÓTICA

Sexta calorenta. Hora de afrouxar o colarinho, procurar um barzinho tranqüilo e jogar o stress acumulado em alguns copos de boa cerveja. Como de costume, carregamos a tira-colo, a vítima sorteada da semana, para nos livrar das conseqüências da Lei Seca.

Havíamos perdido algum tempo com o sorteio. Os bares da cidade estavam lotados. Um bom papo com o garçom mais simpático e logo conseguimos uma mesa mais afastada do burburinho ali existente.

Ao nosso lado, três jovens conversavam, relatando suas aventuras amorosas, em tom alto e convincente, só justificado pelo crachá de IMPRENSA, esquecido de recolher por um dos nossos colegas de mesa.

Costuma-se dizer que mulheres falam demais, mas aqueles jovens as deixavam no chinelo, e terminaram por atrair nossas atenções para um dos assuntos mais atuais – o processo discriminativo, ou para nos expressarmos melhor, o preconceito masculino contra gordinhas.

- Bicho, falava um deles: prefiro me espetar em ossos, do que perder o fôlego na meio espessos toucinhos. O que faço com uma magrela em meia hora, levo duas com uma “balofa”, afastando as banhas para encontrar o que preciso. As gargalhadas se fizeram ouvir, despertando atenção geral.

De um a um, os comentários se tornavam mais cureis. Pensávamos que fossemos somente nós, os ouvintes atentos de tanta maldade. Estávamos enganados. De repente, nossa atenção foi desviada para uma jovem, cujas formas se enquadravam, como luva, no assunto dos três desafetos. Quase a derrubar a cadeira que ocupava, aquela criatura de rosto lindo, avançou para eles numa fúria incontida e, com poucas palavras, os fez silenciarem, após vários pedidos de desculpas.

Nossa surpresa, porém, não ficou por ali. Após a rápida saída dos três rapazes, a corajosa jovem veio até nossa mesa e pediu licença para sentar. Também havia percebido o crachá de nosso companheiro. Quis saber se tínhamos observado o que haviam falado nossos vizinhos e qual nossa opinião a respeito de tudo, inclusive da reação tida por ela.

Ficamos meio assustados. Ela então falou que gostaria de obter um favor nosso, na qualidade de representantes da mídia ali presentes. Pediu-nos, gentilmente, que tomássemos uma iniciativa qualquer, para evitar que esse vil preconceito, continuasse a prejudicar tantas vidas.

Na proporção em que ela ressaltava, a falta de respeito e vulgaridade dos rapazes, esclarecia a variedade de causas, responsáveis pelo excesso de peso. Ficamos totalmente presos ao encanto daquela moça. A vivacidade de seus olhos; a graça de seu sorriso; a facilidade para expressar seus pensamentos, além dos conhecimentos que demonstrou possuir, deixaram-nos hipnotizados.

Ao vê-la afastar-se, tivemos um só pensamento: “ o preconceito contra as gordinhas, traz cegueira ao olhar masculino”. Ainda sob o efeito da vigorosa e esclarecida explanação, pudemos confirmar que a beleza exterior realmente atrai, mas são os valores interiores que conservam e firmam os sentimentos.

Hoje, a classe masculina deita com seus sonhos, não importando por quantos bisturis esses sonhos já foram cortados; por quantas cânulas já foram sugados e com quantas gramas de botox e silicone, já foram preenchidos.Importa simplesmente a visão do belo, do desejável, de tudo que o excita, como se a beleza fosse refratária aos desgastes dos anos.

Excluindo as exceções, tanto a juventude, quanto uma grande maioria de homens, marcados por experiências frustradas, e até muitos dos idosos, trocaram o namoro pelo FICAR, o gratificante fazer amor, pela paixão avassaladora do “SEXO POR SEXO”. Assim, a promiscuidade passou a ser TROFÉU.

Com mais uma geladinha, a descer redonda por nossas gargantas, sentimos a necessidade de sermos mais justos. Como em toda história, não se pode culpar apenas a um dos lados, concluímos que as mulheres tiveram, sim, sua contribuição nesse processo. Com a revolução causada pela pílula anticoncepcional. A baixa de homens, gerada pelas guerras e violências. A emancipação feminina e sua conseqüente competitividade no meio masculino, terminaram abrindo espaços para uma visão caótica e restrita ao externo.

Ercy Fortes
Enviado por Ercy Fortes em 13/06/2013
Código do texto: T4339538
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