VÂNDALOS

A alma de Ramon está de novo tomada pelo que nela há de mais selvagem: uma vontade de esganar, arrancar olhos, rasgar bochechas carnudas com gillette, picar orelhas com alicate, socar narizes, afundar crânios com porretes e gritar, urrar como um animal enjaulado que de repente se vê livre e sobe no topo do mundo e lá se entrega à natureza e ao cosmos infinito, sem passado, presente e futuro, sem vitórias e derrotas, sem riqueza e pobreza. Uma vontade de explodir a Copa de 2014 com dois trilhões de quilos de dinamite e jogar todos os iPads, iPods, tablets, Playstations, Pollys, Barbies e tudo que tiver nome em inglês na parede e depois explodir o lugar com tanto fogo e destruição que as chamas serão vistas da Lua e, quem sabe, até de Marte. E também de pegar todos os políticos corruptos e dar-lhes uma surra bem dada com vara de marmelo e ramos de urtiga e depois fazê-los engolir vários litros de fel e arrancar-lhes os pêlos do cu e da virilha com cera quente e obrigá-los a viver como mendigos por dez anos, dormindo em abrigos, usando o transporte público e apanhando da polícia e de playboys. E nesses dez anos, seus filhos estudarão em escolas públicas estaduais e municipais, como qualquer pobre, e terão aulas com professores completamente despreparados e desmotivados – a escória da escória dos que ainda resistem às humilhações e continuam lecionando.

Mas Ramon luta contra esse bicho feroz que o ataca e domina, reage às suas garras e dentes buscando em si seu lado humano, civilizado e cordial, moldado pela educação burguesa tradicional, que defende a ordem e as hierarquias do capitalismo acima de tudo.

E nessa luta do homem contra a fera, finalmente vence o homem, ajudado pela Rede Globo, que Ramon assiste há horas, acompanhando a cobertura dos protestos contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro – que, na verdade, como nós leitores críticos sabemos, vão muito além dessa questão das passagens, mostrando a indignação de um povo cansado de sofrer abusos das elites no poder, da corrupção, da precariedade dos sistemas de saúde, transporte e educação.

Ramon então se levanta, indignado com a baderna provocada pelos vândalos de São Paulo e do Rio, pega o carro e vai ao Drive Thru do McDonald’s, bem na esquina da sua casa, comprar um Big Mac. Sua fera está presa e dorme, mas o homem civilizado tem fome.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 14/06/2013
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