REALIZAÇÃO SOCIAL. PROCESSO HISTÓRICO.

Se escutarmos com cuidado os estudiosos das letras clássicas da história, filosofia e sociologia, teremos, sem medo de errar, um traçado definidor do alcançado e do que se pode alcançar em termos de realização social plena (e como?) para a humanidade, dividida em porções sobre a face do planeta, sob características próprias, segundo raça, língua e território.

No evolver biológico constante e multiplicador, adensando a demografia desde os primórdios, quando rudimentar a organização social, o grande passo no processo de realização social do homem como ser sujeito de direitos, como pessoa e não como indivíduo, se deu em primeiríssimo plano com a extinção da dominação com a então consequente imposição da escravidão.

A liberdade começa a se destacar como o principal fundamento da vida, sua maior dimensão como direito de cada um, o maior bem civil do homem onde todos os outros são desdobramentos e se apequenam face ao bem vital, assoalho de todos os outros, liberdade.

Sob este aspecto, nessa angularidade, a queda do Império Romano, cujos braços de conquista à época eram gigantescos para a possibilidade de movimentação (cavalos, barcos) foi marcante.

Outras dominações, diversas faces dessa sanha de subjugar, surgiram. Oprimiu-se pela via da exploração econômica na imposição de pesados tributos sobre as terras. O feudalismo centralizou essa política ainda sob a intimidação da espada, da força. Embora muitas ocorrências históricas gradativas de conquistas de espaço pelo homem de seus direitos aflorassem após a queda de Roma, a revolução francesa inaugura um novo período pela “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” em 26 de agosto de 1789, “ato da constituição de um povo”, segundo um dos membros da Assembléia, palavras inspiradas em Rousseau. Proclamou a liberdade, a igualdade e a soberania popular. Foi a virada da página na história do gênero humano.

Estamos imersos nesse processo histórico com proveito relativo, passando pelas guerras divisionárias inspiradas na permanente vontade hegemônica, com a pontuação patológica nazista, chegando após a guerra fria da qual já nos despedimos, existindo breves resíduos.

Desaguamos no estuário das grandes discussões, que têm, felizmente, como âncora principal a democracia (referência que faço em meu último artigo, contradições e paralelos) afastadas umas poucas nações que teimam em barrar as liberdades individuais. Alguns povos contados abaixo da dezena chegaram de certa forma à plena realização social e citamos a Finlândia e a Áustria, entre outros.

Há, contudo, outras inserções ardilosas de subjugação, por outros meios, que submetem também de forma sutil a liberdade; populismo, assistencialismo, captação de consciências por sufrágio com base em necessidades materiais, arregimentação de blocos de manipulação e impulsão de sucessão de alongada representação de forma variada, por exemplo, nos cargos distribuídos que formam exércitos de soldados na soma de votos para perpetuação no poder.

Se multiplicarmos esse aparelhamento desde assessorias, ganhos de licitação por intermediação, lobistas, guetos e corporações de interesses, bancada da saúde, de ruralistas, de evangélicos, preenchimento de cargos comissionados, formação de bases cooptadas, dificilmente sairão do poder os que o detêm. Dessa profissionalização institucionalizada, aparelhada, resulta a reeleição, como constatado no Brasil e no exterior.

E seria legítimo esse contexto, a profissionalização da política, da representação, por cooptação refletida em variada representação popular, embora majoritário o sufrágio? Não, já que há manipulação por vários mecanismos escorados no poder econômico para continuidade em cargo público. Essas práticas são antigas em todas as nações; algumas avançam na depuração, outras permanecem estacionárias.

E há alternativas? Caminhamos nós e todas as nações em dificuldades para a plena realização social, sendo a fronteira somente o tempo e políticas adotadas e a serem implementadas pelos governos eleitos. É um processo histórico que vai se formando e afirmando entre lutas, conquistas, erros e acertos dessas ou daquelas inclinações políticas e tendências projetadas, experimentadas, dominantes por certo espaço de tempo, aceitas ou não, bem ou mal sucedidas. Será, contudo, inexorável a realização e, somente o fator temporal irá desenhar no porvir sua ocorrência sustentada nos fatores alinhados; políticas satisfeitas. O tempo é o senhor da razão!

Desde Arnold Toynbee - notável historiador que projetava para o futuro genialmente – dizendo que trezentos anos não bastavam para que o homem visse um seu irmão no próximo, no semelhante (e esta é a grande meta) até o atual Albert Jacquard, cientista especializado em genética e grande comunicador, professor universitário, temos a certeza de que a realização das sociedades organizadas passarão por planos de estabilização até culminarem na quase perfectibilidade. Repita-se, só o fator temporal, tempo, se coloca na interposição entre o curso da realização e a realização em si mesma.

Rumamos todos para a plena realização social. É processo histórico que o tempo testemunhará.

Como refere Jacquard em “Filosofia para não filósofos”, “nossa espécie como todas as outras resulta de uma acumulação de mutações, sem que seja possível decidir, sem arbitrariedade, a partir de qual estágio se instalou a nova espécie”, e continua, “todas essas transformações aproximaram nossos antepassados do estado atual do “Homo Sapiens”; MAS FORAM PROGRESSIVAS. O acontecimento mais extraordinário, ou seja, A APARIÇÃO DA CONSCIÊNCIA, não foi provavelmente UMA ILUMINAÇÃO REPENTINA, MAS UMA LENTA SAÍDA DAS TREVAS; SAÍDA QUE AINDA NÃO TERMINOU”. Caixa alta nossa.

Essa consciência plena, essa saída DAS TREVAS de que nos fala Jacquard, como gosto de sinalizar, se situa no ideal de atingir-se o melhor possível, ajustando-se o máximo do que é justo (afastadas desigualdades e injustiças, respeitadas as liberdades individuais), ao mínimo de desobediência a um sistema, seja ele qual for, logo que o alvo, sempre, é o bem estar do homem, enfim, a harmonia social, onde a violência de todas as formas, civis, políticas e físicas, se reduziria até sua extinção.

Primeiro é necessário que o homem (todos, principalmente o homem público, que tem representação política) deixe de ser só individuo, isolado em seus interesses particulares, uma abstração, resultado exclusivo de órgãos, moléculas, átomos, quarks, como todos os seres que o rodeiam, com concentração absolutista no egoísmo, para ser pessoa, cidadão ausente de egoísmo pessoal, apartado do eu-próprio, para ser existência no seio de uma sociedade que demanda sua atuação partícipe em prol do coletivo.

Isso demanda evolução institucional-educacional e espaço de tempo histórico.

A dificuldade desse atingimento da justiça social, o básico para todos, ao menos, para chegada aos pórticos da realização plena, transpondo os mesmos, decorre de ser heterogênea a humanidade. A educação, em princípio, traria mais oportunidade de desenvolvimento amplo da personalidade e suas faculdades, a consciência da representação, melhorando, assim, a inclusão do homem no acesso aos benefícios do desenvolvimento em seus múltiplos aspectos, desimportando qual seja o sistema, desde que democrático, garantidor das liberdades públicas.

Alguns pontos são seguros para existência futura dessa destinação, sendo a “guerra contra a miséria” uma delas, como em 1957 profetizava o Abade Pierre. É primordial que cada cidadão tome posição quanto a essa catástrofe humana, verdadeira tragédia, a fome.

O exercício das práticas democráticas será outro fator preponderante, que não significa estágio político imobilizado, mas contínua busca de melhores relações entre os cidadãos. O ideal alcançado é provisório e mutante como o são os novos anseios do grupo e seus problemas na alternância das gerações.

De tudo se estabelece que a política por seus procedimentos, todos, alcançará a realização social por seus meios próprios, melhores ou não, em sazonalidade temporal, segundo procedimentos legislacionais de cada nação, sendo o atingimento meramente fator de tempo e época, tendo-se que preservar, primeiramente, a liberdade do ser como pessoa a todo custo, sujeito de direitos, alcançado o discernimento pela educação, melhor e fundamental motivo de erigir-se representação adequada, que restará solucionando toda a problemática social existente.

Toda a saga humana, verdadeira aventura de epopeia de impossível narrativa, é luta contra as pseudo-fatalidades da natureza.

O futuro é hipótese, não existe, mas o passado tomou o lugar de ontem e o futuro é conjectura de hoje. Como não é possível desvendar o mistério da vida, ao menos nos é possível aguardar para a humanidade o processo histórico se realizar, da mesma forma que nos curvamos ao surgimento da vida, submissos ao que não passa de episódio iniciado em datas longevas, onde o ser humano, nascido resultado do óvulo originário, fruto da concepção, se sabe e somente, ser o encontro do óvulo com o espermatozoide, gametas.

Da mesma forma que nosso entendimento se limita no milagre da vida a esses poucos entendimentos, a justiça social que se dará por plena realização da consciência do indivíduo como pessoa, foge ao nosso alcance, sendo certo, contudo, para nossa compreensão, que a justiça social é construção sem fim e, portanto, imperfeita.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 14/06/2013
Reeditado em 02/02/2022
Código do texto: T4341816
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