noite de insônia
Já havia tentado de tudo, mas não conseguia dormir. Teria um duro dia de trabalho a enfrentar na manhã seguinte, como poderia acordar disposta daquela forma? Tinha que conseguir! Fechava os olhos, decidida, e punha-se a concentrar em sua missão. Quando dava por si, inúmeros pensamentos já lhe haviam roubado a mente, atestando a total impossibilidade de adormecer.
Foi em meio a um destes pensamentos insones que um insight surpreendente abriu-lhe os olhos para a inusitada situação que era sua vida. Aquele quarto, agora, parecia pequeno demais para ela. Levantou-se da cama num impulso e foi ter à janela. A mesma janela onde passava horas inteiras ao telefone falando com o chefe, ou através da qual encarava o céu e maldizia os deuses por tantos problemas... Como não havia reparado nisto antes? Havia um mundo inteiro fora do seu apartamento!
Olhava para si, para o universo, e notava-se pequena, muito pequena... Tão pequena que poderia ser facilmente arredondada para zero. E fora jogada assim no mundo, sem direito a opinar sobre nada, completamente ignorante de tudo, presa à facticidade de fenômenos desconhecidos... Sabe lá não era apenas um fantoche a divertir alguma espécie de ente entediado, ou, então, nada existiria de fato, seria tudo criação sua... De qualquer forma, sentia-se traída. Todas as suas crenças tremulavam, restava somente a certeza da incerteza.
Percebeu que a sucessão dos dias e das noites não passa de um balé terrestre no imenso palco do universo. O que é o tempo senão mera abstração do que neste mundo é deteriorável? O que eram todas aquelas preocupações que a obrigavam a dormir senão poderosos entorpecentes a acomodar-lhe à covardia da superficialidade? Era engraçado, mas ela, que há pouco lutava para dormir, agora sabia que já estava dormindo. Dormira a vida inteira.
Entretanto, naquela noite, começou a encarar tudo de uma maneira completamente diferente. Era como se, de repente, inexplicavelmente, todos os seus sentidos se aguçassem e alguma força misteriosa forçasse a expansão de sua consciência. Parecia-lhe que todas as facetas ocultas de sua existência revelavam-se-lhe como enigmas indissolúveis. Nunca se sentira tão lúcida. Porém, nunca se sentira tão impotente.
Muitas perguntas naquela noite, nenhuma resposta. Apenas a íntima promessa de que, a partir dali, passaria a levar uma vida mais desperta.
Na manhã seguinte, morrendo de sono e entretida com o trabalho, já nem lembrava mais da noite anterior. Os poucos pensamentos que lhe ficaram, encarava-os como meras alucinações noturnas. Ocupava-lhe, agora, a idéia de conseguir terminar aquele vasto relatório a tempo de pegar o ônibus das 12:30.