O Melhor dos Chamados

Manhã fria de junho. Apesar disso, saí para a rotineira e preventiva caminhada.

Quem caminha sabe que encontrar companhia é sempre interessante. O papo, sem qualquer pretensão, parece encurtar e tornar mais rápido o percurso.

Mal começara e logo um boné foi retirado da cabeça cumprimentando-me e expondo o grisalho dos poucos, mas resistentes cabelos. Mal acabara de responder e percebi que tinha companhia, pois o caminhante inverteu a direção de sua caminhada e aproximou-se.

Vantagens de pequena cidade. Disse-me que já me conhecia de vista e apresentou-se. Além da companhia deixou-me com a obrigação de compartilhar uma de suas teses desenvolvidas durante o prazeroso caminhar.

Disse-me que refletira sobre todas as formas como fora chamado durante sua vida. Lembrou-se de como seus pais o chamavam e que sempre lhe agradou muito quando alguém o chamava do mesmo jeito. Lembrou que uma prima mais nova, quando ainda bem criança, acabou dando-lhe o apelido familiar por não saber chamá-lo como seus pais o faziam. E, que esse teria sido seu melhor apelido durante toda a vida.

Enquanto caminhava deliciava-me com aquelas reflexões, mas fui invadido por um desfile de lembranças provocado pela narrativa do companheiro de caminhada. Como se percebesse minha distração fez questão de delimitar sua reflexão, dizendo que só o que lhe agradara seria comentado. E assim o fez...

Comentou sobre suas primeiras experiências com mulher e que, sendo ela mais velha e experiente, ao finalizarem suas acrobacias amorosas, sempre lhe agraciava com chamados que o tornavam confiantes para a instintiva e irresistível prática. Falou sobre o nome que o chamavam quando no tempo de caserna, o qual lhe marcou pela convivência solidária daqueles tempos.

Interrompi sua narrativa para comunicar-lhe que daquele ponto retornaria, mas que gostaria que fizesse o mesmo, pois gostaria de continuar o agradável papo.

Disse-me que também gostaria, pois o melhor ainda estava por vir. Voltamos e o caminhar continuou marcado pelo ritmo de sua prosa.

Em tom de confidência contou-me a forma como sua esposa o chama bem diferente daquela familiar usada pelos pais. Mas que o agrada bastante e diferencia a forma como lhe tratam os amigos mais antigos e os conquistados após o casamento.

Emocionado e como se declamasse repetiu como lhe chamavam cada um de seus filhos.

Mais uma vez interrompi, dizendo-lhe que iria fazer o alongamento para evitar as dores inerentes ao nosso privilégio de já termos visto o passar dos setenta.

Solidário e interessado em concluir sua tese interrompeu sua caminhada e concluiu.

Pois bem, o mais interessante é que o melhor dos chamados não foi o gerado: pelo carinho, atenção e proteção dos pais; pelo tatibitate gracioso da prima criança; pelo generoso, motivador e sensual “volte sempre” da experiente profissional em “acrobacias amorosas”; pela solidariedade dos companheiros de caserna, bem como das salas de aula e dos escritórios de trabalho; pela forma diferente temperada com sotaque peculiar de sua companheira e esposa; e até mesmo pelo poético e fantasioso “pai-herói” de seus filhos.

O melhor dos chamados de toda minha vida foi gerado pela esperança na eternidade, recitada de forma solidária, motivadora, fantasiosa e plena do mais puro querer bem demais. No momento de o mais sublime dos chamados, meu coração acelera suas batidas ao ouvir de meus netos, vovô.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 20/06/2013
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