MEDO DE RÃ

Estava indo para o banho ao me deparar com uma rã. Fico desesperada quando aparecem esses pequenos monstros na minha casa. Ainda mais esse horário, em que não há ninguém pra me socorrer.

É incrível como este ser tão pequeno me amedronta tanto. Lembro-me da minha mãe dizendo: “deixa de ser mole, nunca ouvi falar que uma rã tivesse matado alguém!”.

Até tenho dó delas, na verdade não queria matá-las, mas me vejo num momento em que alguém tem que ser eliminada: elas ou eu.

Não tenho coragem de usar o chinelo, como faço com as baratas, morrendo de nojo. É uma luta braba, porque preciso fechar os olhos antes de acertá-las.

Com as rãzinhas suponho que o chinelo não vai funcionar. Elas são molinhas e eu teria que ser muito certeira para atingi-las da primeira vez. Já usei água quente e, algumas vezes, funcionou. A pobre que eliminei ficou durinha, acho até que cozinhou. Ficou horrorosa, com as perninhas estiradas. Que horror! Disseram-me também pra jogar sal, mas o sal corrói a sua pele e me dá nojo pensar numa rã sem pele, tive uma experiência nojenta.

Repito: tenho dó delas, mas não consigo dormir sem antes me certificar que ela se foi, que não há mais vida naquele monstrinho assustador. E é por isso que estou escrevendo, aguardando enquanto agoniza a vítima de hoje. Eu sei que ela não faz de propósito, não veio até meu banheiro para me assustar, mesmo assim não consigo manter nenhuma relação com ela.

Dessa vez usei água sanitária. O cheiro está insuportável. Derramei quase meia garrafa tentando acertar a danada. Cheguei a perdê-la de vista nas primeiras tentativas, pois assim que foi atingida enlouqueceu, pulando (também, até eu tenho vontade de pular com aquele cheiro forte). Um ato de covardia, eu sei, uma mulher com 37 anos, inteligente, atacando um bichinho inofensivo. Tive que correr pra sala, com medo que me alcançasse, deixando-a na porta do banheiro. Uma perseguição sem a menor graça, sem qualquer proporção.

Voltei na ponta do pé, e ela havia sumido. Agachei pra olhar debaixo da cama e nada. Olhei pela brecha da porta pra ver se estava lá atrás, também nenhum sinal. “Vou ter que dormir de rede, na sala”, pensei. Afastei o sofá e armei a rede com o pensamento de que lá estaria mais segura.

Mas lembrei que precisava voltar ao banheiro. Faltava o banho. Que droga! Voltei, então, duvidando que ela pudesse estar lá, afinal quando a vi pela última vez, na porta do banheiro, estava numa posição que sugeria um pulo para fora dele, talvez alcançando a minha cama de um salto só. Arriando a calcinha, um susto! Minúsculos olhinhos acesos me fizeram experimentar a sensação de que ela me olhava. Subi rapidamente a peça, sem tirar os olhos dela, peguei novamente o composto químico e comecei a disparar. E ela pulava (desesperada, a coitada), e eu explicava pra minha consciência que aquilo não era maldade, fazia-o apenas para me proteger.

Os saltos foram diminuindo, ficando estranhos. Também diminuía meu medo. Bom, se não morresse, ao menos pular tanto já não poderia mais, estava fraca. Começou a saltar com uma perna esticada. Ela estava machucada, tadinha. Tive que acompanhar sua agonia para ter certeza do fim. Ela parou, sem poder mais, bem debaixo do chuveiro. De perninhas levemente flexionadas, como se formasse um arco. Pernas longas e fininhas, horríveis!

Agora o problema era encarar o chuveiro, pois precisava retirá-la de lá. Talvez uma pá resolvesse, mas estava tudo fechado e aquela ferramenta estava no quintal. Pensei em catar o cadáver com um pedaço de papel, mas não tive coragem, poderia se mexer e isso me mataria de susto. E se estivesse só fingindo? Uma vez fui pega assim por uma barata. Ela ficou paradinha, um corpo que aparentava não ter vida, e dali a pouco seguiu, como se nada tivesse acontecido. Deve ter rido de mim.

Mas, deixa-me ver aqui, como está neste momento o inseto que assassinei a golpes brutais. Mudou de posição! Ah, meu Deus, será que vou ter que dormir sem tomar banho? Suas pernas já estavam encolhidas novamente. Será que ainda vive? Bati o pé no chão, com força, pra ver se a assustava. Em vão. Minha consciência vibrou: “viva! você conseguiu!”. Corajosamente abri o chuveiro e com o rodo empurrei a água fazendo umas ondinhas, e assim a rã foi arrastada até o canto do banheiro.

Era quase meia-noite quando, finalmente, consegui o tão sonhado banho.

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 26/06/2013
Reeditado em 14/08/2013
Código do texto: T4359012
Classificação de conteúdo: seguro