Seis pétalas

Há uns quantos dias escrevi um poema um bocado épico, nem compreendi de onde é que vinha, mas soube logo que vinha para ser enviado aos 6 moços galegos que estão presos nos cárceres espanhóis, esperando para serem julgados pela ‘Audiencia Nacional Española’. Três deles são meus amigos queridos, os outros, aos que nem sei se vi alguma vez, considero igualmente irmãos... Moços cujo verdadeiro crime é quererem ser galegos; ficam muito longe de serem meninos que façam uso do que Foulcault aplaudiria: a sua força, a sua capacidade agressiva, para se defenderem da violência de um sistema que nos nega, num estado que não permite que existamos como somos...

Ser independentista é delito, podem chamá-lo como quiserem; criarão leis, distorcerão leis, inventarão conceitos para fazer real a cómica frase dos 'western' que tão engraçado nos resultava 'Les haremos un juicio justo y luego los colgaremos' Sim, na língua do colonizador, sempre na língua do colonizador, tudo se nos meteu assim à força, como o resto dos conceitos que se nós colocaram, e colocam, na cabeça... Estar comendo chouriços afumados com lenha de carvalho, sempre lenha de carvalho, e pensando que a nossa dieta é mediterrânea. Nem queria falar da tristeza que causa em mim lembrar a minha mãe dizendo: 'Nós aqui falar bem só sabemos falar castelhano porque foi o que nos ensinaram na escola' (E ela nem sabia falar direito castelhano). Como conseguiram isso de nós? Como?

Somos como o cão do cego, que não entra por lugares mais pequenos que o cego que guia, não por ele saber medir o cego de cada vez, mas por ele ter sido convencido de que tem o tamanho do cego... É... este não seria um título desajeitado para um texto 'O tamanho do cego' Talvez o escreva um outro dia, mas hoje quero falar do poema épico que escrevi e que entendi que era para os moços galegos que, por revoltados, foram presos; e os outros devíamos ser todos enterrados, ou meio enterrados, pois estamos meio mortos. Terminei o poema, consegui os seis endereços, todos em centros de penitenciária espanhóis, custou-me muito escrever aqueles malditos endereços detrás de cada nome amado: Carlos, Hadriam, Antóm, Xurxo, Eduardo e Roberto...

Como me custou, demorei tanto que os correios tinham que fechar e eu não conseguia terminar de escrever aquilo, aqueles endereços de ferro... Saí dali e fui tomar algo ali ao lado, na New York de Bertamiráns, um lugar que os adolescentes adoram, e que com certeza o Hadriam e a Antóm e os outros amigos, terão estado aqui muitas vezes... Aqui vem por vezes a minha filha com seus amiguinhos, sei-o porque me diz: 'mãe não venhas pela New York que vou estar eu com meus amigos' seus amigos, talvez para-mundos incompatíveis, um dia fui porque necessitava usar wifi para conseguir um endereço que cheguei aos correios sem ele. Era para enviar um livro de Nântia a um amigo que viajava para Brasil em breve, agora já deve estar lá, e o livro com a amiga no Ceará...

O nosso mundo procura saídas, quer ir, ir longe, mas as fronteiras, os endereços malditos, não permitem... Terminei de escrever os envelopes tomando uma cerveja 1906 como anestésico... Que imensa era a minha tristeza, a mão que fez o poema foi a mesma que escrevia agora os endereços, me sentia como se pintasse reixas arredor dos meus amigos, queria romper os envelopes... mas meti no saco, dentro de cada um vai uma pequena cartinha para todos, introduzindo o poema e levando o nosso amor a esses nossos moços guerreiros. Imprimi em tinta azul, para levar a força da Galiza, a força do mar a essa seca Estepa que os esconde de de nós, e da sua terra verde... Guardei a caneta, a conta já tinha paga, e fui para o carro...

Um bocado antes de chegar ao carro, umas flores, como costumam fazer as flores comigo, falaram-me, talo verde e pétalas brancas com um tom amarelado como querendo reter o sabor do sol. Cinco. Todas tinham cinco pétalas; não gostei do número, esses número do que habitualmente gosto, de repente se me fez inexacto... Cinco não! Eles são seis... Procurei e procurei tinha que haver uma flor com seis pétalas... Meus envelopes, meus poemas, são seis, quero uma flor com seis pétalas. Não vos vou poder explicar o que aquilo significava, não poderia sem antes vós explicar o druidismo, mas eu disso não sei nada, eu só o vou descobrindo, as plantas, a terra mo vai falando, e eu não poderia improvisar agora um discurso... Mas sabia (entendia) o que aquilo queria dizer, fui para casa triste... Sem levar nenhuma flor comigo. Não podia ser, não podia... Como me doem esses moços, esses filhos, irmãos, galegos...

Lembrei o que contava o meu pai quando foi levado da nossa Terra para lutar na Guerra Civil Espanhola, que para nós ainda não teve fim. 'Eu -contava o pai, e repetia frequentemente- o que pior levava, o que me matava, era quando ao se fazer de noite, na que tudo fica quedo e tudo se espreita... ouvia um homem escutiar*, abria-se-me o peito! Aí anda um irmão e talvez amanhã e dispare contra ele' Ouvi isso umas três mil vezes na boca do meu pai... 'Que horríveis são as guerras' Dizia a nossa mãe para resgatar ao homem menino que tanto admirava e amava... e o depois vinha o silêncio, falava o lume a tremer labaredas molhadas nos nossos olhos...

Fui para casa acarinhando o saco onde guardara as seis cartas com os seis envelopes... No dia seguinte fui até os correios um bocado antes das 13:30, era sábado, fechara as 13:00. Com os envelopes entre as minhas mãos caminhei até o recantinho da rua onde crescem silvestres aquelas flores, as de ontem, as das cinto pétalas, nem sei porque ia, mas algo me chamava, e lá estava ! Uma flor com seis pétalas. Não acreditava, mas acreditava, acreditava e como! Apanhei a flor com cuidado e pousei-a sobre os envelopes, levei para casa e coloquei tudo no lugar mais especial e Celta de casa... Quando aquela flor mãe secou, desabrochou uma outra flor menina, com as mesmas 6 pétalas... Soube assim da semente do futuro... Quis abrir os envelopes e colocar lá dentro para cada um deles sua pétala, mas achei que isso no super scanner da prisão talvez fosse fazer com que demorasse mais ainda a entrega do que ela já sei demora; ademais teria que rasgar os envelopes e só de pensar em ter que escrever de novo esses seis endereços já tremo...

As cartas saíram com o poema no seu ventre e com a bênção da Terra sobre elas...

Concha Rousia 14,6,13

Foto da flor já sem pétalas e a flor menina feita por mim hoje, em casa quando decidi contar a história...

(Sendo editado)

Escutiar v. i. Esgutiar, aturujar (um berro tribal galego)