Eu sou feliz sendo prostituta

A notícia que leio é que o Ministério da Saúde tirou do ar uma ação voltada para as prostitutas, demitindo o autor da campanha, porque o ministro fez biquinho para a frase “Eu sou feliz sendo prostituta", acompanhada da foto de uma mulher. No novo formato, a frase é "Prostituta que se cuida usa sempre camisinha".

Estamos falando do trabalho mais antigo do mundo. Houve época em que as prostitutas foram consideradas semidivindades; em outras, a prostituição foi condenada; em outros momentos da história, foi explorada pelo próprio Estado.

Aproveitando o escorregão das autoridades, partilho os pensamentos do meu amigo Julio Cesar Prado Santos, que em seu trabalho de conclusão de curso (especialização em Direito do Trabalho), tratou em detalhes da profissão, que para muitos é cara, e que merece, mais do que outras, a proteção do Estado.

A verdade sem hipocrisia é que a prostituição sempre existiu, existe e vai continuar existindo aqui e na Cochinchina. Negar direitos fundamentais aos profissionais do sexo não excluirá essa atividade de nossa sociedade, e ao mesmo tempo, fere princípios dos mais importantes e que são fundamentos de nosso Estado, como cidadania e dignidade da pessoa humana.

Sem levar em conta -- porque aí é outro departamento -- as razões que levam alguém a preferir alugar o próprio corpo em vez de se dedicar a qualquer outro tipo de trabalho, o fato é que tais profissionais, apesar de não praticarem qualquer ilícito penal, não recebem do Poder Judiciário o tratamento que era de se esperar, no reconhecimento de seus direitos trabalhistas, sob o argumento de que há nulidade no contrato por ilicitude de objeto.

Ou seja: no dia a dia, fazem tudo o que um empregado comum faz; trabalham, têm uma jornada, remuneração, recebem ordens, são punidos, mas em razão da peculiaridade de sua atividade, não são considerados empregados nos moldes da CLT, e, se buscam socorro no Poder Judiciário, recebem uma declaração fria de que nada se pode fazer por eles.

Apesar disso, o serviço do trabalhador do sexo está previsto na Classificação Brasileira das Ocupações do Ministério do Trabalho desde 2002, mas isso é insuficiente. É preciso mais. É preciso que a sociedade deixe a hipocrisia de lado, engavete os discursos moralistas, e reconheça a atividade como regular e muito requisitada, estendendo aos seus prestadores direitos relacionados à saúde, previdência social, remuneração digna, liberdade.

Um dos grandes juristas brasileiros, juiz e professor da USP, dr. Guilherme Guimarães Feliciano, no artigo “Ofícios do Amor”, é enfático: “O que fazer? Conferir cidadania”. E termina: “Afinal, ainda que divisássemos na prostituição uma maldade intrínseca, marginalizar seria o mais tortuoso dos caminhos. E também o mais desumano. Parafraseando o sociólogo português Machado Pais, é chegada a hora de legar à prostituição um discurso racional, e já não unicamente moral”.

A liberdade, meu amigo, não tem preço. E cada um sabe o que fazer com sua vida. E com seu corpo. Já é hora da sociedade humana tratar dignamente os profissionais do sexo. Que algum deputado se mexa (projetos do Gabeira, do Eduardo Valverde, onde estão???). E que mais que um dia dedicado internacionalmente às prostitutas (02/06), haja respeito, dignidade, cidadania, resgate.