A lágrima perdida

Não foi a primeira vez que ela chorou. Certamente não foi.

Tantas outras lágrimas vieram antes. Umas tantas vieram logo ao nascer... a garota teria que respirar plenamente. Depois veio aquela outra lágrima pela perda da boneca ou do desejo de , algum dia, ganhar uma de presente. Isso se a pobreza permitiu que ganhasse esse presente... quem sabe ...

Com certeza, as decepções, a pobreza, as desilusões amorosas tiraram o sono ou o humor da jovem. Depois, se tornou mulher. Com o filho no colo, marido ao lado, suas parcas bagagens, resolveu partir. Foi para São Paulo. Deixou para trás o seu chão , a sua família, as memórias, algum caso de uma boa festa ou de uma reunião familiar. Deixou tudo. Resolveu trabalhar naquele bairro de periferia e pensou, com toda a certeza, pensou – “o meu Brayan vai estudar. Quem sabe, um dia, vai ser doutor. Vou trabalhar muito e ele vai ter o que eu não tive”.

Aquela mulher, jovem mãe, sonhava. Tenho certeza que sim. Era a mistura de sonho e dor no corpo de tanto trabalhar por tão pouco. Dormia pouco também... para que o seu filho Brayan dormisse melhor, mais agasalhado que ela. Creio que ela não comia o que precisava para que o seu pequeno se alimentasse, crescesse e fosse mais saudável que ela.

O Brayan... o pequeno Brayan.

Então resolveram lhe matar, garoto. Que coisa monstruosa!! Inominável. Execrável.

Os seus pais entregaram todo o dinheiro para uma infame. Você fez a sua parte e agiu como uma pessoa adulta e consequente - juntou as moedas para dar ao assassino. Moedas que seriam para um presentinho para o seu aniversário dias depois. Chorando muito, você pediu pela sua mãe. Você estava no colo dela, amparado e com muito , muito medo. A sua mãe, o seu pai também imploraram pela vida. Não adiantou.

Doeu muito aquele momento, não foi?

Você foi embora muito antes da hora, deixando um luto maior que o mundo para a sua mãe, pai e avós.

Sabe, Brayan, existem outras vidas. E você vai viver muitas outras vezes. Com a sua mamãe vai fazer muitas festas de aniversário. E vai ter bolo, presentes, alegria e muitos abraços. Quem sabe, nem vai precisar emigrar pela pobreza. Vai ter os amigos, a família reunida, a escola que vai te fazer bem.

Não chore onde estiver, meu querido. Viva onde estiver, porque ninguém escapa da vida. Ela é eterna e precisa também de alguns cuidados para que seja sempre bela.

E quando puder , mande bênçãos para os que ficaram, porque o pranto da tua mãe não tem fim. A última lágrima não vai chegar tão cedo. Lágrimas carregadas de sal e de dor. Uma dor pior que as provocadas pelas maiores e mais sádicas torturas.

Você chorava de medo, eu sei.

Mas agora não, Brayan. Não chore mais. Não tenha mais medo. Viva na plenitude do Criador, conte casos para Ele, ouça os melhores conselhos. Coma alguns doces fantásticos aí no céu junto com outras crianças que também voltaram para casa mais cedo do que o esperado... mas não se esqueça daqueles que lhe amaram e lhe protegeram. Sonharam por você, lutaram para que você fosse mais feliz.

Viva, pequeno Brayan, viva e ajude a viver os que ficaram por aqui. Tenha brilho nos olhos, pureza no coração e a certeza do olhar amoroso e terno de Deus na sua nova estrada.

Que a estrada seja florida, com o doce sabor de uma primavera segura e apenas com lágrimas provocadas pela emoção da descoberta de que a vida, meu querido Brayan... a vida continua.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 01/07/2013
Reeditado em 08/12/2013
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