"Sooner or later, everyone stops smoking."
                                                   - Anonymous


A Gente Nunca Esquece O Primeiro

O ano é de 1966, e eu com 5 anos. A minha Mãe tinha que ser submetida a uma cirurgia das varizes pois já não conseguia ficar muito tempo em pé sem sentir cansaço e terríveis dores nas pernas. O maior dilema não era a cirurgia mas quem cuidaria dos seu três filhos enquanto ficava hospitalizada por três dias.

Felizmente, suas preces foram atendidas! A sua irmã Marilú, de 23 anos, estava com viagem marcada para os Estados Unidos e em breve estaria em New Jersey para passar uma longa temporada.

                          
                                             Tia Lilú com Tia Vera

Não seria a primeira viagem da Marilú, ou simplesmente Tia Lilú aos EUA. Ao chegar em solo norte-americano pela segunda vez, Tia Lilú soube da cirurgia da irmã mais velha e foi logo sondada para 'baby-sit' os três sobrinhos, meus irmãos e eu. Cultura estrangeira é sempre diferente e quem vive em terra alheia aprende logo como se deve proceder nas mais diversas situações. A minha Mãe já havia separado um bom dinheiro para pagar pelos serviços de 'baby-sitter'. A Tia Lilú disse que não seria necessário mas meus pais insistiram e explicaram que nos EUA qualquer serviço, por mais simples que fosse, era remunerado. Cuidar de três crianças não é um trabalho fácil portanto, nada mais justo do que receber um salário pelos serviços e também a dedicação.

A minha Mãe tirou férias do trabalho e foi logo internada para se livrar das varizes que a incomodava há tanto tempo. Despedimos da nossa Mãe e ficamos com a tia mais nova, e também solteirinha da silva, que não sabia cozinhar tão bem como a Mamãe, nem sabia usar a máquina de lavar ... enfim, tia jovem, solteira e inexperiente porém, carinhosa e divertida demais com todos os sobrinhos.  Com a Tia Lilú a gente aprendeu a dançar o twist de Chubby Checker. Assistimos aos programas de TV  com os Beatles. Íamos ao Radio City Music Hall para os shows natalinos e o programa mais legal: o parque! 

                                   

                                             Eu com cinco anos.  

 
Um dia, após me buscar na escola, a Tia Lilú foi até o porão onde ficava a lavanderia. Tirou aquele fim de tarde para lavar a roupa de cama e toalhas de banho. É claro que eu fui logo atrás. Sendo a única menina, estava acostumada a ficar em companhia da minha Mãe enquanto as tarefas eram realizadas. Enquanto minha Mãe fazia suas tarefas, eu lia em voz alta algum livro ou ela contava alguma estória. Era um momento só meu e da minha Mãe, só nós duas. Tirei a ideia da minha cachola que a Tia Lilú fosse querer compartilhar algo comigo, uma menininha de cinco anos. Quem sabe segredos! Ou emprestar o batom dela! Coisa que minha Mãe não fazia. 

A Tia Lílú não sabia falar inglês por isso muitas coisas ela resolvia na base da mimica. Eu entendia o português corriqueiro do dia-a-dia mas mesmo assim tinha momentos que eu olhava pra´minha linda Tia e ficava imaginando o que ela queria dizer na verdade. Como era horrível viver entre duas línguas! Nunca entendia 100% o que falavam comigo. Pelo menos, não aos cinco anos de idade. A dúvida sempre rondava em certas palavras mas não quando meu Pai xingava ... rsrs  Aí, eu entendia e corria!  

Aquela tarde ela tirou não só pra lavar a roupa de cama e toalhas de banho mas também pra extravasar as tensões  de dona-de-casa. 

Lembro dela ter me colocado sentada em cima da máquina de lavar roupas e depois ter tirado do bolso do avental um maço de Winston. Nossa! A Tia Lilú fuma! Ai ai ai se meu Pai ficasse sabendo! Ela tirou um cigarro e foi logo dizendo, "Patita honey, não vai contar pro seu Pai por que se não a Tia Lilú vai ter que ir pra casa da Tia Vera correndo e aí, quem vai cuidar de você? Pentear seus cabelos? Arrumar seus vestidinhos?"  E ela acendeu o seu Winston e deu aquela longa tragada e soltou aquela nuvem da boca. Nenhuma outra tia minha fumava, nem mesmo a minha Mãe. Aliás, diziam que só mulher sem vergonha fumava. Mas a Tia Lilú não era mulher assim. Ela era um broto legal! Aquele cigarro parecia lhe deixar mais tranquila. Cada tragada era como se ela descarregasse suas tensões e recuperava um pouco da tranquilidade depois de correr com as tarefas naquele fim de tarde. O cigarro estratégicamente pousava entre seus lábios carnudos, Tia Lilú parecia uma estrela holliwoodiana. Não é por nada mas a minha Tia Lilú era uma tremenda gata e arrasava corações sem querer.  Naquele instante me encantei com aquela cena e do nada, pedi pra minha Tia se eu poderia dar uma tragadinha. Falei assim, "Just a little puff! Please!?" Depois de ter feito o pedido me arrependi por que achei que ela fosse ficar brava e contar ao meu  Pai. Ai ai ai Patricia! O que você foi fazer!  A Tia Lilú pegou um cigarro novo do maço e acendeu. Eu não estava entendendo ... nem acreditando! Será que ...não. Não podia ser. Sim! Ela estava oferecendo o cigarro pra mim! Nossa! Não conseguia acreditar naquilo! A minha Tia estava me dando um cigarro! Estava anestesiada! A minha Tia apenas disse, "Ué, não vai fumar? Vai logo que seu Pai está chegando e nem quero imaginar ele nos flagrando aqui com cigarro!" Sem pensar uma segunda vez, logo meti o cigarro na boca. Fazer o que agora? Acho que vou dar uma tragada né? E lá fui eu dar uma tragada longa pra parecer sexy mas ... e como é que se dá uma tragada mesmo? Só sei que dei a maldita tragada e aquela fumaça invadiu o meu ser! Devo ter ficado toda verde e tudo que eu enxergava estava embaçado. Sexy? Tinha nada de sexy ou bonito naquilo!!! Logo em seguida eu fiquei tonta, muito tonta. Pior do que andar naquele brinquedo "Chapéu Mexicano" que deixa você com vontade de ... Sim! Eu vomitei o meu almoço todinho! A minha Tia ficou brava mas foi só por alguns segundos por que ao ver o meu estado ela se comoveu por demais. Creio que ela se apavorou! Fiquei muito pálida e não parava de tossir. Lá mesmo ela tirou a minha roupa, me enrolou numa toalha e foi direto ao banheiro onde me deu um banho bem dado por que já estava na hora do meu Pai chegar do trabalho. Todo vestígio de cigarro tinha que ser removido portanto ela me deu um banho completo, lavou meus cabelos e depois escovou os meus dentes muito contra a minha vontade por que a escovação só fez aumentar a nausea e eu vomitei mais uma vez. Com a rapidez da Mulher Maravilha a minha Tia me deu aquele banho de gato e me vestiu. Era ainda cedo mas eu já estava de pijama e na cama. Na minha cabeça de cinco anos eu estava pra morrer por ter cometido o pecado de fumar e ainda por cima escondido.  Meus pais não viram nada mas eu tremia de arrependimento por que Deus viu tudinho naquele porão!

Meu Pai chegou quase em seguida e ao ir pro quarto dele e da minha Mãe ele não viu o pijama, samba canção e camiseta branca dele em cima da cama. Ele mesmo havia designado esta tarefa a mim e eu tinha que deixar as roupas devidamente colocadas em cima da cama de casal todos os dias, até mesmo aos domingos. Ao não ver nada em cima da cama, o meu Pai berrou, "Pa-tri-ci-aaaaaa!"  A Tia Lilú foi ver o que havia acontecido e meu Pai foi logo perguntando, "Marilú, cadê a Patricia? A minha camiseta, samba canção, shorts e chinelos não estão onde deveriam estar." A Tia Lilú apenas respondeu, "Tadinha da Patita, Chico. Acho que comeu algo estragado na escola por que ela vomitou duas vezes seguidas tadinha! Dei um banho nela e a coloquei na cama. Ela tá muito abatida coitadinha." O meu Pai foi voando pro meu quarto e desparou com o interrogatório, "O que foi que você comeu minha filha? Ainda sente mal? Deixa eu ver se tá com febre." Eu só enxergava o vulto da minha Tia logo atrás do meu Pai fazendo não-não com o dedo indicador. Olhei para o rosto preocupado do meu Pai e fingi desmaiar. Melhor assim do que mentir e ter mais um pecado para confessar perante a Deus. Ouvi meu Pai dizer que tomaria seu banho e que ele mesmo prepararia uma canjinha para mim. Só em pensar na sopa fiquei enjoada. Com meus olhos fechados acabei caíndo num sono profundo e somente fui acordar na manhã seguinte bem depois do meu Pai sair pro trabalho.

Ao acordar a tia Lilú estava no meu quarto arrumando seu cabelo quando me viu espreguiçar. Ela sentou ao meu lado e disse sorridente, "Seu Pai falou que hoje você não vai pra aula! Não é legal? Vamos visitar uma amiga minha?"  Depois de tomar o meu café da manhã, Tia Lilú me vestiu, arrumou o meu cabelo e fomos à casa da amiga dela. 

Aquela experiência com o cigarro serviu para muitas outras situações na minha vida. Sou muito cautelosa ao experimentar certas coisas, por exemplo. Aprendi que é a mais pura verdade quando dizem , "QUEM TEM PRESSA COME CRU!" , e também, "EU PAGO PRA VER!"  Como a gente paga caro ... e como! Nunca mais coloquei um cigarro na boca, nem mesmo para acendê-lo para um namorado ou marido. Posso dizer que sou apenas fumante-passivo mas nem isso sou por que fico à distância de qualquer e todo fumante. 



Hoje, a Tia Lilú tem setenta anos. Ela continua fumando mas apenas um cigarrinho básico por dia. O cigarro é aceso no fim da tarde quando ela faz a sua leitura e toma uma xícara de café preto no jardim. Segundo ela, é um momento sagrado e também prazeroso. Ela não tem nenhum problema respiratório, nem tontura, nada de dedos amarelados ... nadinha que indica que ela fuma, nem mesmo aquele cheiro terrível que todo fumante tem. A Tia Lilú está sempre cheirosinha. 

Na última visita do meu Pai à minha casa aqui no sul, eu lhe contei essa estória pois sabia que ele daria boas risadas, afinal, ele tem 83 anos e já aprendeu que a vida é mesmo assim. 





 

Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 04/07/2013
Reeditado em 15/07/2013
Código do texto: T4371404
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