O FLUTUAR UTÓPICO DA VELHICE

O FLUTUAR UTÓPICO DA VELHICE

Em minha infância e juventude, convivi de perto, com parentes idosos. Tinha por eles o maior carinho, admiração e respeito. Saudades daquele tempo, em que esses sentimentos existiam de forma tão espontânea! Os anos se passaram, trouxeram meus cabelos brancos e não consigo me conformar com o injusto tratamento, que recebemos hoje em dia.

Será que já não basta sentirmos, o peso das limitações de uma idade avançada ? Será que não se percebe, a tristeza que nos invade, com a perda cruel de nossas formas, com o espelho a refletir uma pele enrugada, cheia de manchas e um cabelo ralo? Não!!! nada disso é levado em consideração pelos mais novos.

Quanto mais nos chegam os anos, mais perdemos nossos espaços, mais somos jogados de escanteio, como se fôssemos bolas em campos de futebol. Nossas experiências, adquiridas através de uma grande vivência, são descartadas por serem ultrapassadas no mundo da atualização, o mesmo acontecendo com os valores que tentamos repassar.

No cômputo de fatores que determinaram a idade limite, para o ingresso na classe de idosos, deixou-se de atentar para a evolução dos métodos na saúde e o avanço da ciência e tecnologia. Os idosos, por lei, em sua grande maioria, encontram-se capazes de interagir e produzir, talvez até com maior índice de sucesso, pois contam com experiência, sagacidade e um olhar mais atento e amplo.

E vamos nós os idosos, na proporção em que pesam os anos acrescidos, sendo ignorados e, muitas das vezes, mal interpretados em nossas opiniões e conselhos. Dói ver, nossos intrépidos jovens, mergulhando de cabeça em águas turvas, na certeza de que estão com a verdade, porém, ao saírem machucados, a quem procuram como apoio? A nós, seus velhos! Nessas oportunidades, como que por milagre, eles sabem ter uma visão bem diferente sobre nossas incapacidades.

Falta de educação, de respeito ou de amor, seja lá o que for, não se justifica! Esquecem os jovens que, inexoravelmente, percorrerão o mesmo caminho. Um dia sentirão sobre si, tudo o que hoje renegam ou desprezam.

Nosso país, também está envelhecendo, porém nossa cultura continua a mesma. A internet está repleta de charges, acompanhadas de piadas de mau gosto sobre os males dos idosos. Viramos palhaços, no palco de um mundo vazio, a sucumbir pelo estresse, doenças e inseguranças. Somos obrigados a pagar impostos exorbitantes e injustos, para cobrir os gastos de mandatários acorrentados ao poder eleitoreiro e políticos corruptos, que não se preocupam sequer, em melhorar as condições de vida dos menos favorecidos.

Apesar de tudo o que nos acontece, prosseguimos em nossa jornada. Alguns conseguiram conservar um interessante mundo interior, que preenche suas carências. Outros enfrentam o caos de uma existência de perdas, em prol da felicidade dos seus. Existem, ainda, os que sentem a língua seca, por falta de alguém com quem conversar, ou vivem feito sombras, presos à uma cama, forçando os músculos que lhe restam, a empurrar uma cadeira de rodas. Que cenário mais desolador para quem só tem como prêmio, a esperança da morte.

Talvez esteja a me deixar levar pelo pessimismo, esquecendo das exceções. Elas existem, como em toda regra da vida. São os idosos que vivem como turistas, curtindo tudo o que antes não lhes foi possível. São, ainda, aqueles que encontraram nas ONGs de beneficência, ou locais que se dedicam à vida espiritual - um oásis no deserto do tédio.

De qualquer forma, a sociedade já denominou essa fase, como a de Melhor Idade! Se a voz do povo é a voz de Deus, vamos esperar que se torne uma realidade palpável e possamos ser vistos, sentidos e ouvidos, com o respeito e a dignidade que merecemos. Quando este sonho se tornar realidade, poderemos sim, flutuar sobre o peso dos anos.

Ercy Fortes
Enviado por Ercy Fortes em 07/07/2013
Código do texto: T4375967
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