O dia em que descobri que te amava

Ele dormia. Eu o observava. Com o cotovelo escorado no travesseiro e com a mão segurando minha cabeça. Parecia um menino. Tinha um ar de sorriso e uma serenidade nas faces. Ouvir e o ver dormindo era ser ele um pouco. Sentir sua respiração morna e não ser vista. Aproximar o rosto e sentir o vento morno que vinha de sua boca.

Deu-me um espanto. Uma constatação. Uma flechada de cupido. Doía olhar para ele e constatar que era meu tudo. Como assim? Eu, forte, intrépida, destemida dos sentimentos, experimentada de tudo. Uma certeza que doía de tão forte, que doía de tão maravilhosa, que doía de tão imensurável pela fragilidade que me acometia. Como assim, meu tudo? Ah, fala sério! Ele continuava a dormir e eu continuava a espiá-lo.

Na outra vez que me peguei assim perplexa e com certezas, catatônica, ele me dizia como tinha sido sua infância. Muitas dores. Algumas fomes e muito frio. Isso me pegou desprevenida. Muito frio? Imaginei aquele garotinho perdido entre as relações afetivas conturbadas dos adultos e me deu uma ternura tão grande por ele que quase verbalizei que o estava amando. Mas me contive. Suas feridas parecendo cicatrizadas, ainda tinham sangue por debaixo. As rejeições, as carências e o grande caráter. De novo, antevi aquele menininho, sozinho nas noites de inverno, na solidão de seus cadernos escolares, jantando as sobras das panelas e com muita fome de abraços, afagos e aconchegos.

Buscamos amores descartáveis. Rápidos. Mas há sempre alguém que acelera o relacionamento. No amor não há suspeitas. São certezas. Todos se conhecem entrando sem pedir licença, sem desculpas, buscando um banquinho para se acomodar.

Eu o amava. Tinha descoberto isso ali. Assim, como quem lambe um sorvete. Do nada. Por acaso.

Rejane Savegnago
Enviado por Rejane Savegnago em 07/07/2013
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