Cachorros e chuva

Ontem, fim de tarde chuvosa na capital paraibana. No ponto de ônibus fomos abrigados e obrigados a esperar mais de uma hora pela condução que nos levaria aos nossos destinos. Uma senhora chegou apressada e se juntou ao grupo, já reclamando da demora e da chuva, que teimava em aumentar, aumentando assim a aflição de quem havia trabalhado o dia todo e ansiava por chegar ao lar. Aí o embate começou. Coitados dos meus cachorros que estão soltos no quintal, será que alguém se lembrou de colocá-los no canil? A outra respondeu a uma pergunta que não lhe fizeram, detesto animal, aliás, gosto muito deles, mas lá no quintal, longe da casa. Mas que é isso? Eles são adoráveis, são nossos melhores amigos, o homem é mesmo desumano, briga, rouba, mata e ainda não gosta de cachorro? Ela detestava chuva, veio do Rio morar aqui, pensando que a chuva passaria longe. E tinha dez cachorros. Três haviam morrido. Por que não chove no sertão? É lá que precisam de chuva, ela queria chegar logo a casa para proteger seus cachorros. E aquela que respondia a tudo que não lhe perguntavam estava ansiosa também para voltar para casa, não para seus cachorros, pois não os tinha, mas para sua vida vazia, certamente nem criança tinha. Uma pessoa que não gosta de animais, nunca gostaria de criança, deve ser uma infeliz. Uma terceira que só ouvia o embate sobre ter ou não cachorro em casa deu sua tímida opinião: mas cachorro é diferente de criança. Dessa vez a voz da outra se alterou, claro que não é diferente, tanto criança quanto cachorro precisam de cuidados. Eu, no meio daquele duelo, com os pés já molhados pela chuva que só aumentava, estava curiosa em saber quem venceria. Mas um ônibus chegou e a que detestava animais embarcou para sua vidinha triste sem ao menos um cachorrinho para recebê-la no portão. E a coitada dessa vez recebeu todos os xingamentos, alguns impublicáveis, sendo condenada a viver eternamente na solidão. A dona dos cachorros se sentiu aliviada por ter podido descarregar na anônima inimiga dos animais toda a sua raiva pela chuva que agora começava a diminuir. Seu ônibus também chegou e ela se foi toda feliz ao encontro de seus doces cachorrinhos que certamente ficariam também felizes se pudessem ter ouvido e quem sabe participado da discussão que começou pela chuva e acabou no canil. Eu ainda fiquei ali esperando minha condução, agora com uma dúvida terrível: adoto uma criança ou dez cachorros?

Ftima
Enviado por Ftima em 13/07/2013
Reeditado em 22/02/2017
Código do texto: T4385240
Classificação de conteúdo: seguro