Conselho De Pai
É Que Nem Am Ex: Não Tem Preço

 
Estava muito ansiosa pela chegada 'dele'. Qualquer hora 'ele' chegaria e eu já contava as horas a dias.
Na véspera da chegada 'dele', tinha falado com o meu Pai que achou nada bom eu ter tomado aquela decisão. Uns quatro anos antes havia pedido conselho ao meu Pai sobre o mesmo assunto e naquela época ele também não concordou com aquela cumplicidade entre eu e 'ele'. Mas, dessa vez havia decidido, e eu queria por que queria tê-lo ao meu lado, literalmente ao meu lado e agarrado em mim ... agarradinho ao meu pulso esquerdo.

Meu Pai me advertiu: "Já lhe falei ... você vai ver como foi uma escolha infeliz essa sua. A idade vai pesando com o tempo e você precisa se cuidar, apenas. Sem extravangancias. Só isso minha Filha. Nada de exageros. Entendeu?" Respondi bem rapidinho, "Claro que entendi Pai e pode deixar por que vou seguir os seus conselhos a risco, tá bom assim?" A conversa acabou ... vamos dizer que em pizza e entre beijos, abraços e muitas saudades.

E finalmente, 'ele' chegou! Não era tanta a empolgação mas sim a ansiedade toda. Queria muito que 'ele' passasse a me controlar. Precisava saber dos meus picos além de ter sob controle de certa forma o meu coração e se estava excedendo. 'Ele' poderia me auxiliar ... ou era o quê eu pensava. Como fui ingênua! Era bem aquilo que o meu sábio Pai previu!

Aquele aparelho de medir pressão arterial chegou na última quarta-feira e com certeza já deve ter acrescentado mais alguns fios prateados na minha cabeça. Causou uma reviravolta na minha vidinha corriqueira. Fiquei mais ansiosa do que o normal, só piorando a minha situação.

                       
Li a folha que veio com o aparelho. Cada  instrução eu li como se fosse uma oração nova que precisava aprender para convocar um santo para me auxiliar. Ou quem sabe, convocar especificamente os gêmeos São Cosme e Damião (padroeiros dos médicos, farmacêuticos e crianças também) e/ou São Camilo (protetor dos enfermos). Santo Expedito? Ainda não!

                            
                         São Cosme e Damião                            São Camilo


Dizem que a fé move montanhas. Mas, eu resolvi investir num monitor digital com medição no pulso com maior praticidade, memória para 100 resultados com hora e data, conexão com o computador e quatro anos de garantia. Nada menos do que top TI e total 'reliability' como diria Dr. Olímpio.
                          
Pois bem, li atenciosamente as instruções e destaquei tudo que considerava vital com um marcador de texto amarelo e após averiguar que havia entendido tudo naquela folha, fui inaugurar aquele aparelho de pressão e pôr em prática tudo que eu havia lido.

A primeira leitura da minha pressão arterial foi ... DE APAVORAR!

Olhei o gráfico na folha com as instruções e ... Pela leitura que acabara de fazer, eu estava no ESTÁGIO 1 HIPERTENSÃO! Será que o aparelho estava precisando se adaptar a mim? Ou vice-versa? Meu Deus! Senti a minha pressão aumentar bem ali naquele exato momento. Meu coração acelerou ... E mesmo assim, fui em frente e teimosamente liguei o aparelho para medir a minha pressão novamente. Estava parecendo um thriller do Stephen King!
  
                           
                   'The Shining'  com Jack Nicholson (1980)

Estava pior do que a saga do Freddy Krueger!

                            
       Robert Englund como Freddy Krueger em 'A Hora Do Pesadelo'
                            Primeiro filme: 1984. O sexto e último:1991


Nossa! Ou melhor: WTF!!! (What The Fuck = Que
P
ð¶@ É Essa) A pressão aumentou mais ainda!

Como a vida é traiçoeira conosco. Quando jovem, a minha pressão era baixa, muito baixa. As vezes, principalmente no verão, carregava um potinho de vidro com azeitonas dentro da bolsa. Se por acaso sentisse uma leve queda ia logo ao potinho e pegava uma azeitona para chupar e depois comia. Poucas vezes cheguei a fazer o que citei e as azeitonas acabavam na boca do Gerry, o meu colega e grande amigo, antes das seis da tarde.

Nas minhas três gravidezes as coisas foram tranquilas, até super tranquilas demais a não ser pela pressão que também era baixa. Mas, nunca chegou a ser hipotensa o tempo todo, nem maioria das vezes. Como disse o meu sábio e debochado médico, Dr. Fernando De Almeida Prado, melhor assim do que pré-hipertensa ou hipertensa.

A pressão alta foi me apresentada quando minha Mãe faleceu. Após o enterro, fomos pra casa dos meus Pais e ali, eu senti a verdadeira ausência da minha Mãe. Fui ao quarto dela e me joguei na cama dela. Sim. A cama dela por que ela havia decidido que queria um quarto só dela depois que o meu irmão mais velho foi literalmente carregado para o apartamento da namorada deixando o quarto dele vago. A minha Mãe é a filha mais velha e também a irmã mais velha entre nove irmãos, ela nunca teve um quarto só seu, um espaço que pudesse chamar de seu. Seu próprio mundo onde pudesse pendurar fotos dos seus ídolos, andar pelada a vontade, até dançar sem roupa, praticar beijando o espelho além de outras coisas mais que nem quero imaginar a minha Mãe fazendo mas que ela provavelmente sonhou em fazer. Quando ela me contou que queria seu próprio quarto achei normal mas, meu Pai enfureceu. Tivemos que amansá-lo e aos poucos, depois de eu conversar com ele e explicar que ela apenas queria um espaço só dela, ele aceitou. Aquele quarto não era só a cara dela. Era a sua alma!
                             

Ainda dava para sentir o cheirinho bom dela no quarto, principalmente naquela imensa cama. Aí, eu desabei. Achei que tinha chorado tudo no velório e depois no enterro mas, ainda havia um oceano de lágrimas que levaram uns três dias para secar. Chorei tudo que tinha que chorar e mais um montão. Meu Pai foi enfermeiro quando jovem. Chegou a ser enfermeiro e assistente do Dr. Carlos Gama, um reconhecido neurologista nos anos cinquenta e início de sessenta. O meu Pai sabe quase tudo sobre primeiros socorros, enfermagem e atendimento médico, etc e me vendo naquele estado, tirou a minha pressão. Ele havia tirado outras vezes, essa não seria a primeira. Ele tirou uma vez e disse que tiraria mais uma só pra garantir. Logo senti que ele estava de conversinha fiada querendo esconder algo de mim. Será que ele havia esquecido que ele mesmo me ensinou a tirar a pressão arterial com aquele aparelho tradicional e antigo? Pelo que eu vi, notei que os ponteiros do relógio não estavam acusando aquela pressão baixa que me perseguia. A estória era outra agora e não era boa, nadinha boa.

O meu Pai falou que a leitura estava um pouco alta e que ele me daria um 'remedinho' para abaixar a pressão. Também chamaria um médico para me ver. Tomei o remédio e antes de cair no sono meu Pai me informou que eu não voltaria para minha casa no sul se a minha pressão não abaixasse. Apenas ouvi a decisão que ele havia tomado e dormi profundamente sabendo que o meu Pai cuidava de mim.

No dia seguinte, uma amiga da família trouxe o primo dela que é médico. Ela nos apresentou e pelo nome eu logo o identifiquei como o médico que havia dado uma entrevista para a Folha de São Paulo mais ou menos dois anos antes. Claro que perguntei por que sou terrivelmente curiosa. Ele confirmou e foi logo perguntando como eu me sentia. Falei que sentia nada e que só pensava na minha Mãe o tempo todo. Ele falou que era normal mas que eu precisava dosar todo aquele sentimento se não ... Ele aconselhou que eu passasse para um outro quarto por que, ali no quarto dela, tudo me trazia lembranças e aquilo não era bom naquele momento. Concordei e fomos para o quarto do meu Pai onde a minha pressão foi tirada. Mais uma vez estava alta e o médico me medicou com Captopril. Conversamos um pouco e logo o meu Pai surgiu nos convidando para um chá lá na sala. Lá fomos nós. Enquanto tomávamos o chá, o papo rolou e também colocamos tudo em dia. Naquele momento me dei conta que não sabia nada da minha própria família. Meus filhos? Marido? O meu Pai contou que tinham saído para matar a saudade da cidade de São Paulo. Eu fiquei muito 'P#*@' da vida com a saída deles. Como sair? Passear? Se divertir? O médico disse que era normal pois a vida continuava. Será que continuava mesmo? Fiquei quieta. No fundo da minha memória resgatei quando a meu Avô morreu e o quanto minha Mãe havia sofrido mesmo ela ter estado do lado dele 24 horas todos os dias durante toda internação dele no Hospital Matarazzo, depois com a ida para casa e o retorno ao hospital. Eu não sabia o que era ter 'mãe' durante todo tempo que meu Avô esteva doente com câncer mas ela aparecia em casa e fazia as tarefas dela na calada da madrugada sem ser vista, sem fazer barulho.
                          
Parecia uma fada que deixa tudo certinho, arrumadinho e ainda achava tempo para fazer uma nega maluca para o nosso café da manhã. Durante todo tempo que ela se ausentou, ela esteve sempre presente. Eu fazia o que podia mas, trabalhava fora e ela pedia para eu não faltar, nem usar a doença do Vô como desculpa. Obedeci a risco.

Quando meu Avô João morreu, um pedaço da minha Mãe foi junto com ele. Naquela dor toda que ela sentiu ... No dia seguinte, após o enterro, lembro que era domingo e aquela sensação toda de perda e dor consumia a minha Mãe. Mesmo assim, o meu irmão colocou música no estéreo no quarto dele e não estava no volume baixo. Não consegui acreditar e a minha Mãe ficou arrasada com aquilo mas mesmo assim ela não abriu a boca para reclamar. Meu Pai disse que mandaria desligar o som mas minha Mãe disse: "Deixa Chico. A dor não é dele. Deixa o menino". Menino? WTF! Que menino que nada! Deveria ter uns vinte e três! Mas assim foi. O menino ouviu seu Led Zepplin naquele domingo como sempre ouviu enquanto a minha Mãe continuava a sofrer. E eu sofria ao ver aquele olhar perdido cheio de saudades e lágrimas.
     
                      


Eu também sofri com a partida da minha Mãe mas depois de conversar com o médico entendi que a vida continuava para todos e se eu fosse continuar a chorar pela perda da minha Mãe e sofrer de pressão alta em breve os meus filhos não teriam uma mãe. E aquela frase que minha Avó sempre recitava em velórios e missas de sétimo dia começou a ecoar na minha cabeça: "Deus queira que eu morra antes dos meus filhos e netos! A lei natural da vida é assim, os mais velhos primeiros por que assim é que tem que ser." A minha Mãe também pregava esse pensamento sempre, e com certeza, é como deve ser.

Assim resolvi não chorar mais pela perda mas sim sorrir toda vez que eu visse, ouvisse, cheirasse, comesse e sentisse algo que me lembrasse dela. São tantas coisas que estão presente no meu dia que me fazem lembrar minha Mãe ... tantas coisas! Na verdade, todas as coisa! Banana da terra frita com canela, igrejas, café fresquinho, o terço, florzinhas, pássaros, quiabo com abóbora, bordados, pão de queijo, hinos de igreja, farofinha de carne, Ray Coniff, "Violetas Na Janela", Passion da Liz Taylor ... Vamos dizer que quase tudo me lembra a minha amada Mãe. (OBS: A crônica, "BASTA LEMBRAR ... E EU LEMBRO SEMPRE", escrevi em homenagem à minha Mãe.)

Agora, esse 'Monitor Digital de Pressão Arterial Automático de Pulso' chegou pra tirar o meu sossego e sono!

Tenho que aprender a lidar com 'ele', afinal foi um investimento para melhorar a minha qualidade de vida e não para me atormentar.

Já se passou uma semana e o meu caso com o RW 450 (o modelo do meu Monitor Digital G 
TECH) já está de boa. A pressão um pouquito alta mas o jeito é cortar no sal, caminhar mais e não me estressar com nada se não ... nem quero pensar. 

Tenho cinquenta e dois anos e ainda não aprendi a ouvir os conselhos do meu Pai. Pode!? 

              


 
PODE!!!
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 14/07/2013
Reeditado em 26/08/2013
Código do texto: T4386591
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