A Crônica da Janela

Tem dia que eu não consigo escrever. Hoje é um desses dias. O famoso dia chato. Fico olhando para tela e nada sai. Nenhuma inspiração para criar um conto dar o ar da graça. Para piorar, até agora também não atendi ninguém aqui em minha casa/consultório. Uma folga forçada e maçante, tanto para o dentista como para o escritor.

Um ventinho frio entra pela porta aberta, apesar de o sol ter dado as caras. Aqui faz frio nesta época do ano, por mais incrível que possa parecer. Minhas pernas reclamam disso, na verdade, são os ossos das minhas pernas que sofrem com isso; “tô ficando velho mesmo”.

Aí, eu fico assim; sem fazer nada e impaciente por conta disso. Levantando e indo até a janela, olhando a praça com seus bancos vazios e suas barraquinhas de roupas, que estão por aqui todas as semanas, oferecendo calças, bermudas, vestidos, saias, e tudo mais do vestuário feminino e masculino, além de cama, mesa e banho. Já comprei duas bermudas nestas feiras. Elas eram de boa qualidade, mas o preço não foi tão em conta quanto eu imaginava. Todavia, não me arrependi. Neste momento, algumas estudantes fardadas e duas donas de casa olham minuciosamente cada peça de roupa. Não compram nada e seguem seus rumos. A praça fica sozinha de novo.

Volto para o computador, entro no face, baixo filme, leio os jornais virtuais, vejo notícias sobre futebol... Nessas horas dá vontade de acender um cigarro, mas me controlo e não acendo.

A cidade está bem calma, mais calma que o normal, e olha que ela já é bem parada. Poucos carros passam pela rua. As motos são mais frequentes no ir e vir. Às vezes passam algumas carroças e até mesmo alguns bois. Ruim mesmo é quando eles, o gado, ou cavalos, ou jegues, fazem suas necessidades bem diante da porta de minha casa/consultório, e tenho que aguentar o cheiro de merda secando ao sol por todo o dia.

Volto à janela. O carro que vende desinfetantes quebra a calmaria com a sua propaganda. Um outro veículo de som anuncia alguém pedindo uma ajuda para curar uma doença incurável, enquanto uma motocicleta, puxando uma caixa amplificadora acomodada num carrinho, informa que fulano de tal faleceu: “Nota de falecimento e convite... A família enlutada convida todos os parentes e amigos a comparecerem...”. Logo depois o silêncio volta a reinar. Saio da janela e volto para o notebook.

Têm alguns concursos abertos para seleções de contos e eu aqui perdendo meu tempo sem escrever. Tenho alguns bem adiantados, faltando só finalizar. Mas não finalizo. Fico adiando... Adiando... Deixando para outro dia. A maioria eu já sei como vai terminar e tudo, mas não consigo escrever. Fico procrastinando, achando desculpas esfarrapadas para não concluir o texto. Uma merda isso.

Opa, peraí que chegou um cliente aqui... Alarme falso, ele estava procurando o consultório médico e não o odontológico. O sol sumiu entre as nuvens e o frio aumentou, levanto para voltar à janela e meu joelho estala...