Morte e vida taubateana

O inesquecível Josef Studenick, pioneiro industrial no Vale do Paraíba, e assim qualificado no busto que recebeu em sua homenagem, está, quem diria, sendo esquecido. Studenick está bem cercadinho em frente ao Convento de Santa Clara, em Taubaté, mas já tem o seu rosto coberto pelos galhos das árvores ao redor. Um dia estará tão esquecido quanto a Rua do Meio – rua em que meus ancestrais de Taubaté moraram, nos inesquecíveis anos 1700.

Na Rua do Meio, minha não-sei-quanto-avó Catharina Garcia de Unhatte tinha “dois lanços de casa de taipa de pilão cobertas de telha”. Custo a acreditar que tenha existido algo assim na Rua do Meio ou em qualquer outro lugar de Taubaté. É preciso um esforço sobre-humano para tentar visualizar a cidade da maneira que o francês Pallière registrou em um mapa de 1821. E, não fossem as bonitas maquetes que existem no Museu Histórico, jamais teríamos ideia de que as coisas um dia foram bem diferente do que são hoje.

Eram cinco as ruas, de modo que uma delas ficava ao meio. Mas a Rua do Meio virou depois Rua do Comércio e hoje se chama Duque de Caxias – embora devesse se chamar Rua das Noivas, tantas são as lojas destinadas a elas. Não sei em que parte dela morou Catharina, mas sei onde ela está morando agora. Seu corpo foi amortalhado no Convento de Santa Clara, que já existia em Taubaté há um bom tempo. Tento entrar no Convento, mas as portas estão fechadas. Ao seu lado está o cemitério da Venerável Ordem Terceira, e eu, turista estranho, resolvo dar uma caminhada por ele.

Logo de cara, encontro Félix Gusard, outro homem importante na vida econômica de Taubaté. Não me detenho, e começo a ler algumas lápides, dando preferência para aquelas cuja arquitetura era mais destacada. E foi assim que encontrei a sepultura de Olga Guedes Tavares, percebendo de imediato que se tratava de uma espécie de Maria Bueno de Taubaté. Tenho a impressão de que toda cidade possui uma jovem morta na flor da idade e que desde então passou a ser venerada como santa. Assim foi com Olga Guedes Tavares, e no pequeno altar que se levantou em seu túmulo consigo ver cópias de orações, algumas feitas à mão, e que devem ter o mesmo texto há várias gerações, pois vejo referência até aos avós da menina.

Ao sair, retomo o caminho pela Rua do Meio e percebo que ela irá dar bem em frente à igreja de São Francisco das Chagas de Taubaté, a mais antiga da cidade. Quase chegando, descubro a Rua Bispo Rodovalho, que não é o fundador da Sara Nossa Terra, mas um antigo frade franciscano – o maior orador sacro da ordem franciscana no Brasil. Entro na igreja, observo as muitas imagens, os vários ventiladores, e por fim sento. Vários cidadãos de Taubaté entram e – acho curioso – começam uma peregrinação pelas imagens da igreja, parando, tocando e orando em todas elas. Simpatizo-me com um homem em especial e, na minha fé diversa, faço uma rápida oração para que não sofra tanto quanto demonstra.

Penso confusamente em escrever alguma coisa sobre a fé. Saio da igreja e sou absorvido pelo barulho do sábado de manhã, engolido pela multidão que caminha com pressa e sacolas – completamente alheia ao tempo em que será esquecida.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 18/07/2013
Código do texto: T4392764
Classificação de conteúdo: seguro