FAZENDA MAMATA

Eleito recentemente para um mandato de quatro anos, o novo encarregado da Fazenda Mamata recebe agora pela manhã seu secretário geral e com ele discute o preenchimento de vários cargos comissionados e outros assuntos delicados, com o objetivo de cumprir pelo menos parte das inúmeras promessas que fez durante a campanha:

– No chiqueiro, senhor secretário, estabeleça a regra de três porcos para cada funcionário, para diferenciar da regra anterior, que era de quatro para um, e como coordenador da equipe, coloque o Luisão do Bar, que já tem a lista das pessoas que serão contratadas para o serviço: primo, tio, cunhado, compadre, todo mundo de casa.

– Sem problema, senhor encarregado; mas não se esqueça da equipe responsável pela limpeza do chiqueiro, que não pode ser a mesma que cuida dos porcos, pois ainda que haja uma redução no número de animais por funcionário, o serviço ainda será pesado.

– É verdade. Temos que criar uma equipe de limpeza para o chiqueiro; eu tinha me esquecido disso. Vamos ver... Para começar, contrate a Simone, filha daquele meu amigo, o... o...

– Janjão?

– Isso, o Janjão. Filha do Janjão. Contrate ela como coordenadora. Depois a gente decide quem vai fazer parte da equipe.

– Mas ela está incapacitada, o senhor não se lembra? O caso é grave. Vive internada.

– Eu sei, eu sei, mas prometi para o pai dela, o que é que eu posso fazer? Envie para ela relatórios e fotos do chiqueiro toda semana e dê um jeito dela despachar de casa ou do hospital mesmo. A gente vai levando assim, nas coxas, até onde der. Ela não vai demorar muito a morrer.

– E aquele problema com a coordenadora da equipe de fazer merda?

– Qual problema?

– Aquela reclamação do pessoal de que ela não sabe fazer merda e que, por isso, não tem que estar ali coordenando uma equipe de fazer merda.

– Mas como é que ela não sabe fazer merda? A mãe dela me garantiu que em casa é o que ela mais sabe fazer!

– Só se for em casa, porque aqui...

– Põe ela então como assessora do coordenador da equipe de vigias da lagoa dos patos, e deixe bem claro para ela, já de cara, que qualquer pato que nadar em ziguezague deve ser abatido. Os que nadarem em círculo continuarão vivos.

– Agora tem o problema do curral.

– Qual problema do curral?

– É que o coordenador da equipe de limpeza do curral está reclamando da falta de funcionários no seu setor, e está dizendo por aí que é uma injustiça a equipe que cata carrapatos no gado ganhar o dobro do que ganha a equipe dele.

– Equipe que cata carrapatos? Mas onde é que está o pessoal que aplica remédio contra carrapato no gado?

– O senhor se esqueceu que essa equipe sempre foi fantasma? Ela existe, recebe o salário, mas não aparece. Isso é tradição aqui, não tem como mudar, vem desde a primeira administração.

– Contrate mais gente então para ajudar na limpeza do curral, mas só quem tenha me apoiado; e dê um aumento para esse povo. Ah, e como vai ter reforço na equipe, põe lá o filho do Tobias da Ção como sub-coordenador, com o mesmo salário do coordenador.

– Sim, senhor. O Tobias vai ficar muito agradecido. Grande Tobias... Agora mais um problema: a Inês, sua cunhada, pediu mudança de função. Quer ir para a defecação.

– Por quê? Ela não está satisfeita coordenando os morcegos?

– Não. Disse que os morcegos estão muito dispersos, não param quietos. Ela pelejou para mantê-los na sede da Fazenda, morcegando só nos gabinetes, na cozinha e nas filas dos banheiros, mas eles insistem em morcegar em toda a Fazenda, e defecam no chão, fora do cercado... Muito complicado.

– Então põe ela na defecação. Fazer o quê? São quantos lá hoje?

– Só o Marcão e um assessor para limpar o que ele defeca.

– Vamos então colocar esse assessor do Marcão como coordenador dos morcegos e a Inês e o Marcão vão limpar eles mesmos o que cada um defecar. Se eles reclamarem, coloque dois assessores para limpeza de dejetos, indicados pelo coordenador de notas frias da Secretaria da Pilantragem.

– Perfeito, senhor encarregado. Agora temos que criar aquela função nova, para empregar o pessoal das empreiteiras. O senhor tinha sugerido um grupo de trinta pessoas para bater palma toda vez que passar um avião sobre a Fazenda, alertando a comissão de assuntos aéreos, que deverá fazer um relatório da situação, o senhor se lembra?

– Perfeitamente. Só acho que trinta é pouco, vamos precisar de pelo menos cinquenta, para o som das palmas ser bem audível.

– Concordo. Mas por ser muita gente, será que a câmara da Fazenda vai aprovar? O senhor prometeu aos vereadores dois cabides para cada um, para eles colocarem quem eles quiserem. Acho melhor o senhor entrar primeiro com o projeto desses cabides, que será aprovado, e depois com o das empreiteiras.

– É claro. Que burrice a minha. Vamos propor então trinta e quatro cargos no departamento de saúde, sem exigir formação, e mandar o projeto para a câmara com um recadinho meu, lembrando do combinado.

– Falando em saúde, senhor encarregado, uma dúvida: os funcionários do Pronto Atendimento vão precisar olhar nos olhos dos pacientes? Lembre-se que na administração passada houve muita reclamação sobre isso.

– Para que olhar nos olhos de porco, burro e vaca? Animal não tem sentimento, não precisa dessas frescuras. É só receitar um remedinho para virose ou diarréia e despachar. Temos que acelerar o serviço.

– Ah, outra coisa: vamos precisar de uma equipe grande para buscar pão com salame na padaria e fazer café para os funcionários que ficam sem fazer nada o dia inteiro na sede; ou então o senhor oficializa todo mundo como morcego e põe para rodar na Fazenda, porque só dez pessoas para alimentar essa galera toda não está dando, sem contar as filas nos banheiros, que estão enormes.

– Quem sabe a gente coloca esse povo no cordão dos puxa-sacos, cercando a Fazenda? Está completo o cordão?

– Acho que ainda tem vaga sobrando por lá. Boa ideia. Vai aliviar bem a sede.

– Alguma promoção para a leiteria?

– Eu sugiro a Jandira, antiga coordenadora da defecação, ex-sub-secretária de assuntos aéreos, ex-assessora do departamento de coisas inúteis e ex-sub-coordenadora de notas frias da Secretaria de Obras. Vem de outras administrações, mas é de confiança. Ela merece. Vai mamar bem. Fez vários estágios na leiteria, sabe direitinho o que tem que fazer. Vai engordar, com certeza, mas...

– Sem problema, vamos deixar ela engordar até explodir. Mais alguma coisa?

– Não, senhor. Por enquanto é só.

– Que cheiro é esse, secretário? O senhor peidou?

– Não, senhor.

– Estranho...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 19/07/2013
Reeditado em 21/07/2013
Código do texto: T4395191
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