Numa manhã de abril, me preparava para sair...

quando ouço um som insistente vindo do corredor do meu prédio. Sim, era a renitente campainha que parece se regozijar quando me pega em algum ato que não posso interromper prontamente (não é preciso entrar em detalhes sórdidos, imaginemos tão somente um inocente banho). Abro a porta e contemplo uma cena que esperei durante anos a fio. Noites a rolar pelo lençol, o travesseiro que teimava em esquentar mais do que o suportável, as centenas (milhares?) de cigarros incinerados numa estranha libação para que os minutos se transformassem em milésimos ou fração menor ainda. Tudo para dissipar as dores da espera, o cansaço pelas fantasias não consumadas, sequer iniciadas. Agora, eu estava ali, inerte, água e xampu escorrendo em minha soleira forjando um tombo futuro mas isso não ocupava um mínimo espaço em meus pensamentos. A minha existência, os 30 anos em que ocupo espaço neste mundo estavam condensados ali, naquela aparição que roubava minha respiração a ponto de eu ter que implorar por alguns centímetros cúbicos de oxigênio. O barulho da água caindo a esmo do chuveiro, já inundando meu banmheiro me tirou do torpor, disparando uma descarga de adrenalina em minhas veias " Meu Deus, ela chegou! Ela veio! ". O choro se misturou com os sorrisos que fugiam de minha boca, céleres para me trair. Pronto, estava rendido, indefeso mas nem por isso com medo. Ao contrário, o Rubicão tinha sido atravessado e Pompeu me aguardava. O último fascículo de minha coleção de culinária paquistanesa finalmente havia chegado. Podia voltar para o meu banho. Será que tenho algum pano para secar o banheiro?

Comendador Montezuma de Monteverde
Enviado por Comendador Montezuma de Monteverde em 06/04/2007
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