DORMINHOCA
Há muito tempo eu não fazia plantão noturno. Toda a minha rotina de trabalho agora era de dia, ficava no Hospital de segunda a sexta feira, 12 h dia, na Maternidade.
Um mal súbito passageiro em um colega me fez voltar à rotina do inicio da minha formação plantão de 24 h, dia e noite, cansativo, exaustivo, proibitivo. Rrrssss.
Durante o dia eu trabalho ligado em 220 volts, à noite eu sou um João Ninguém, quero descansar, quero dormir, quero sonhar.
Porém, aquele plantão precisava ser preenchido e eu não deixaria a Maternidade sem proteção.
Já passavam das 1.30 h, quando me levantei com gritos no corredor, meus olhos mal conseguiam se abrir totalmente, estava mesmo desacostumado com aquela rotina. Levantei-me apressado, trombei com a porta fechada, rsrsrs, tão sonolento que me esqueci de abri-la e vi a maca sendo empurrada pela auxiliar em direção a sala de parto.
Lá fui eu colocar mais um pequeno ser neste mundo tão voraz.
O parto foi maravilhoso, apesar de ser uma primigesta, ela colaborou e tudo transcorreu na maior tranquilidade, e nasceu um menino lindo de olhos claros.
Fiz todos os procedimentos necessários e fui em direção ao vestiário.
Ali existe uma poltrona confortável, que às vezes alguém mais cansado se senta para relaxar a musculatura, já sem forças para uma caminhada.
Foi quando eu deparei com a dorminhoca. Ela estava deitada, com a cabeça recostada no espaldar da poltrona e dormia um sono divino. Sua tez era clara, seus cabelos loiros, davam-me a impressão de um anjo esperando o chamado para ir dormir nos aposentos do Céu.
Não queria acorda-la, queria apenas admira-la, ali naquele sono profundo.
Olhei seus olhos fechados, sua boca, seus lábios, seu corpo coberto, e o imaginei quando dormindo entre a coberta nua , um dia eu pudesse tocar o seu corpo.
Fiquei extasiado, admirado. Pensei em toca-la com suavidade, mas não podia não a conhecia.
Olhei em suas mãos suaves, unhas pintadas em um esmalte claro. Não tinha joias, não precisava, ela era a joia verdadeira.
Não tinha anel, não tinha aliança, provavelmente solteira.
Corpo perfeito. Um Anjo dorminhoco.
Aproximei-me com cautela.
--- oi! - acorde você não pode ficar dormindo aqui. - falei com voz suave, não queria assusta-la.
Ela abriu os olhos, como se duas cortinas de cristal se abrissem e mostrassem-me dois diamantes reluzentes.
--- perdão doutor. Estou muito cansada, estou de plantão há 48 h, sentei apenas para relaxar, mas o sofá é muito confortável, dormi.
--- eu sei... Mas agora é preciso que levante, acabou de ter um parto, devem estar te procurando. Posso saber o seu nome?
---claro. - disse ela já em pé.
Ia falar o nome, mas eu a interrompi.
--- não.... Não diga, para mim você será sempre a Dorminhoca. - sorri.
Ela sorriu, e saiu olhando para traz e eu olhando-a por traz.
Lembrança do primeiro dia.
DORMINHOCA.