A COLEGA DE TRABALHO VII (continuação...)



              Não tive tanta vontade que esta terça-feira chegasse. Tem alguma coisa parecida com acanhamento me rondando. Hoje não fui o primeiro a chegar. Ela já está à mesa próxima à janela com olhos no monitor. Lógico que não notou se cheguei ou não. Não existo naquele universo onde só os anjos podem tudo. De soslaio olho para ela. O jeans está de volta. Será que é o mesmo que a minha mão resvalou? A tarde chegou e esmagou o período da manhã sem sentido. Agora vai mudando o semblante. Ela vive o depois, não estaciona um minuto onde estou. Se vivesse cada tempo teria chance de ver melhor as pessoas e coisas importantes que estão ao seu redor. O nome dela é Dirce. Levantou-se e se move requebrando. Está se exibindo para alguém ou sempre rebolou e eu não percebi? Aqui tem algumas senhoras casadas — inexpressivas —, uma jovem sem brilho, um gay e eu. Não me olha, mas parece que o corpo dela quer se comunicar comigo. Vou falar essas palavras para ela: “Anjo. Fale comigo! Se não for possível, apenas olhe para mim. Não precisa sorrir, mas, por favor, deixe que seus olhos vejam os desejos dos meus.” Ensaiei isso várias vezes, mas quando ela começou a falar ao celular e sorrir, as palavras começaram a derreter feito gelo ao fogo, ao fogo dela...
A rotina crua dos últimos dias repetiu-se: cada qual foi para seu próprio universo; o meu menos colorido e embutido na rotina sem sal.
(Jorge Lemos)
Silva Lemos
Enviado por Silva Lemos em 30/07/2013
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