Com Florzinhas Vermelhas

Antes de dormir rezava para que houvesse chuva. Não gostava daquelas tempestades extravagantes que impediam as pessoas de tocarem suas vidas, mas daqueles dias de chuvinha mansa que incomoda, mas que não impede quem quer que seja de fazer o que bem quiser. Então, quando ela acordava e via algum sinal de nuvem escura no céu, sua alegria estava feita. Mas, quando por puro azar, havia sol, isso era motivo para um mau-humor ferrenho que cedia espaço para os momentos intermitentes de reza pedindo chuva. Se soubesse ou pudesse dançar, dançaria. No entanto, lhe restava apenas rezar e pedir com fervor e fazia isso da melhor forma que podia.

Quando suas preces eram ouvidas e havia chuva, a alegria não cabia em um sorriso.Antes mesmo de levantar-se da cama, deixava alguns minutos voarem enquanto ouvia a chuva sapateando no telhado. Ouvia a chuva encharcando o jardim com seus conta-gotas, ouvia os carros rasgando as poças, ouvia as pessoas reclamando sob seus guarda-chuvas. Ela sorria sob o cobertor e imaginava que a chuva também tamborilava sobre ele. Então, ela precisava sair da cama. Juntava coragem e se descobria, esperando um aguaceiro e havia apenas o barulho de algumas gotas, infelizmente, do lado de fora. Nos dias de chuva, ela tomava café na mesinha da sala de visitas. Ela abria a janela do jardim e de lá observava as pessoas indo de um lado para o outro da rua. Em silêncio e bebericando seu chá de maçã, ela torcia para que algum motorista descontrolado acertasse uma poça. Adorava ver a água jorrando para as laterais do carro e toda vez que uma pessoa era ensopada por um carro descuidado, soltava uma gargalhada, como se aquilo fosse a coisa mais divertida do mundo.

Depois do café da manhã e de sua diversão matinal, ela se preparava para a caminhada. Vestia um casaco quentinho e seguia para o quarto no final do corredor. Lá ficavam suas sombrinhas e havia de todos os tipos e cores e tamanhos e formas. Ela passava deliciosos minutos, senão horas, escolhendo qual usaria. Tudo precisava estar em perfeita sincronia de cores e espírito. Ela experimentava uma, depois outra e acabava pegando uma no impulso e saía com toda a confiança. Já na rua, ela caminhava com a desenvoltura de uma bailarina. Deslizava entre as pequenas poças e deixava os passos fluírem, como se a chuva fosse música. Havia pessoas que torciam o nariz para ela. "Uma velha dessa idade andando na rua sozinha num dia tenebroso como esse." Mas aquele era o seu dia e nele, nem mesmo sua idade contava. Naquele dia ela já sabia exatamente aonde ia e certamente teria bons frutos, estava sentindo. Ela desceu a rua até ganhar a avenida com as lojas mais charmosas da cidade. E lá estavam, esperando por ela. Na porta de cada loja, estavam os guarda-chuvas e sombrinhas dos cliente e como eram lindos. Ela diminuiu o passo e começou seu trabalho de examinar e selecionar. Por fim, já tinha sua escolhida. Fechou sua própria sombrinha, uma rosa brilhante, e a enfiou dentro do cesto junto com as outras dos clientes daquela loja e de lá tirou uma sombrinha amarela com florzinhas vermelhas. Era incrível. Rapidamente, ela abriu a sombrinha e naturalmente continuou seu trajeto até o restaurante onde costumava almoçar.

Voltou para casa com sua nova sombrinha e já torcia para que no dia seguinte chovesse outra vez.