Pitágoras, o anarquista

 
Quando eu era muito jovem e trabalhava de Office Boy nas ruas de São Paulo, foi o tempo em que começaram as manifestações pela abertura política no Brasil e as ruas do Centro fervilhavam de protestos de sindicalistas de várias categorias discursando sobre carros de som enquanto membros dos sindicatos e manifestantes agitavam bandeiras vermelhas com os símbolos das classes que representavam ou com a foice e o martelo soviéticos. Naquela época eu nada sabia de política, mas podia sentir que havia uma atmosfera diferente pairando no ar. Eu já era um leitor assíduo naquele tempo e devorava tudo o que podia ler; gibis, revistas, livros juvenis e até mesmo alguns clássicos da literatura mundial. Mas o que lia com mais frequência era a bíblia.

Não me lembro qual o primeiro livro que li sobre socialismo e comunismo, só sei que fiquei encantado com as maravilhas que lia sobre a União Soviética, Cuba, China e Albânia. Li tudo o que podia; Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo e textos de Che Guevara que começavam a circular nas livrarias. E dessa forma em pouco tempo me tornei um “comunista militante”. Não me filiei a nenhum partido, minha militância era com meus amigos e com os parentes extremamente religiosos e por esse motivo, radicalmente obedientes ao Estado e às leis vigentes.

Na época dos grandes comícios pela Abertura, participei de todos. Era indescritível o que sentia no meio de todo aquele povo agitando as bandeiras revolucionárias enquanto ouvia os discursos de Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Lula, FHC e toda a miríade de "homens do bem" apregoando a chegada da liberdade e da democracia ao País. A frase talvez que mais ficou marcada em minha mente foi dita por Tancredo Neves; __Não Vamos dos dispersar!

Daquele tempo para cá o que dispersou foi minha capacidade de acreditar em qualquer coisa. Acho que na verdade sempre tive essa doença dispersiva que foi limpando de uma maneira ou de outra todas as crenças e filosofias acumuladas durante a vida. Depois de ler e reler a bíblia não sei quantas vezes, cheguei à conclusão que se Deus existia, era um tirano assassino e se não existia, a humanidade vivia inutilmente se curvando a uma ilusão criada por si mesma. Com as ideologias aconteceu a mesma coisa. Depois de ler e reler Marx e outros teóricos comunistas e posteriormente filósofos como Nietzsche e outros que não falavam de política diretamente, percebi que para Marx o ser humano era apenas um fator econômico e não um ser individual e que seu comunismo jamais poderia ser implantado num mundo habitado por seres com vontade própria, isso era para formigas e abelhas que já nasciam com o destino traçado.

Foi relembrando essas coisas enquanto olhava as postagens do Facebook que vi um panfleto de um grupo anarquista. Ao ler os comentários deixados na página até achei graça da ingenuidade das pessoas quando se trata de ideologias e de promessas que os “lideres” distribuem gratuitamente. Da mesma forma que a religião promete paraísos além-túmulo, as ideologias prometem as maravilhas da igualdade aqui na terra mesmo, mas num futuro incerto; quando nos tornarmos conscientes e coisa e tal. Por falta do que fazer resolvi comentar a matéria e criticar duramente dizendo que aquilo não passava de fantasia e o anarquismo era simplesmente impraticável devido à diversidade humana em todos os sentidos. Disse também que tudo aquilo não passava de delírio adolescente, que todas as utopias sociais só poderiam ser entendidas e aceitas por adolescentes. Fui duramente criticado, xingado de coxinha, elitista, burguês de merda e nem lembro mais o que. Então o mediador da página disse que eu precisava estudar e ler os teóricos anarquistas. Citou vários que eu conhecia e outros que jamais ouvi falar. Mas o que mais me chamou a atenção é que entre os “anarquistas” citados ele incluiu Aristóteles, Platão e pasmem! Pitágoras. Ia responder alguma coisa sobre quem devia voltar à escola, mas desisti.

Fiquei com pena dos milhares de seguidores desse grupo extremamente culto, fiquei com pena de mim mesmo por ter perdido a esperança de que um dia nossa espécie seja melhor do que é, mas fiquei com pena sobretudo de Pitágoras... Pobre Pitágoras, o ícone do anarquismo... Pobre de quem cita um autor sem nunca ter lido pelo menos a história dele. Pobre de quem se deixa iludir.
AMAURI CHICARELLI
Enviado por AMAURI CHICARELLI em 04/08/2013
Reeditado em 22/09/2013
Código do texto: T4418638
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