Senhor Urgência

O Senhor urgência reclamou muito dos sentimentos ligados ao modo de vida atual. O estilo de vida é o mesmo da Senhorita Ligeireza, do Senhor Apressado, da professora Velocidade e do Servidor Público Rapidez. Também coincide com os modos corriqueiros da Funcionária Impaciência, de sua amiga, a bem de vida Aflição e do estudante Aperto.

Todos eles fizeram inscrição para o Curso de Administração de Tempo promovido pela Escola Brevidade, curso este, que me matriculei. Como foi o curso? Não tive tempo de fazer o curso de Administração de tempo. Resolvi, por precipitação, fazer umas aulas que me curassem a irreflexão.

Na primeira aula fui sem almoço, porque sempre tenho pouco tempo para tal. Os nutricionistas recomendam que mastiguemos pelo menos 30 vezes por porção. Para fazer isso eu levaria algo em torno de 45 minutos somente para comer, sem contar o tempo para por no prato, tomar alguma bebida ou conversar com quem está a mesa. Na verdade não temos mais tempo para comer bem, e criamos nesse atual estilo, péssimos hábitos como comer de frente para a televisão, para o computador, comer ligeiro ou substituir o almoço por um lanchinho rápido e ganhar tempo não se sabe pra que.

Não temos tempo de parar. O Senhor Serenidade me disse uma vez que após o almoço estaciona o carro no Parque da Cidade e senta na sombra, embaixo de uma árvore esperando a digestão passar. Ali descansa, conversa um pouco e sente-se revigorado. A Senhora Pressa come batata frita ao volante e depois pode ser uma coxinha com refrigerante.

E o tempo para olhar as pessoas? O Senhor Repouso contou-me que todos os dias tira um tempo para observar seus filhos. Ver o tanto que cresceram, como penteiam os cabelos, como se vestem, o que conversam e o que não está estranho. Antes disso, prefere ter tempo para conversar ao invés de correr desesperado pro trânsito para fazer mil cursos, ganhar mais dinheiro ou resolver problemas da vida moderna, como pegar uma fila para pagar o 3º carro da família. Compraram um carro com um motor mais potente, mas ele não concordou muito, pois em Brasília motor potente não serve para correr, pois a pista lotada de carros e os pardais não permitem.

O tempo para relaxar, fazer atividade física e dançar é prioridade na vida da Senhora Tranquilidade. Ela nos revela que desistiu do seu segundo emprego para conseguir fazer Pilates e dançar todas as quarta-feiras com os amigos. A Senhora Tranquilidade tem 28 anos. Não gostaria de esperar a velhice para ter tempo de encontrar as pessoas que gosta, fazer coisas sem pressa, ou ainda correr atrás de mais dinheiro tendo o suficiente para levar uma vida simples, com alimentação simples, casa simples e prazer.

Ao contrário, no 12º andar do Hospital Perturbação estava sendo internado o Senhor Alienado. É que ele sofrera um infarto, aos 38 anos de idade, causado pelo estresse laboral – trabalho em excesso. Não estava comendo bem, não dormia direito, não tinha tempo para lazer e separou da esposa por não lhe dedicar tempo. O Senhor Alienado não conseguiu administrar tempo para ganhar 20 mil por mês e usufruir de viagens, cinema, jogar conversa fora ou cultivar uma horta. Bateu o carro duas vezes na semana, brigou com o filho por conta de um empréstimo e usará seu dinheiro para recuperar-se.

Enquanto isso, o Senhor Suavidade, sentado no chão, brinca com as crianças do vizinho, mostrando como se desenha um barco. Ele tinha construído um casarão, mas depois de tanto tempo, tanto empréstimo, tanto estresse, descobriu que a casa linda e gigante não tinha o principal – moradores. Cinco quartos, três salas, uma super cozinha, duas piscinas e ninguém para usufruir. Ele e sua esposa tiveram um filho que se mudou para Indonésia para trabalhar. Os dois sonham em ver a casa cheia, mas não conseguem organizar nenhum encontro.

O tempo do Senhor Sereno é diferente. Ele faz natação, aula de piano e musculação. Tem 27 anos. Formou-se em Filosofia. Tem tempo para cantar, o que mais gosta, sair com os familiares, cuidar de dois cachorros e fazer muitas festas. O Senhor Sereno mora com a Senhora Animação. Ambos consideram que tem qualidade de vida.

A Senhora Repentina é casada com o Senhor Desesperado. Ambos trabalham e estudam. Ela faz o segundo curso superior, deixam o seu filho Isolamento na creche e vão correr atrás da vida. Nos finais de semana, não conseguem brincar com o filho. O menino Isolamento está agressivo, não consegue ter amigos e está viciado em computador. Seu maior lazer é jogar vídeo game, ficar na internet, ver mini-series de ação e ir ao shopping comprar. Ele tem apenas 05 anos. Para dar tudo, material, para o filho os dois se juntam para pagar todas as contas e dizem que o mais prazeroso é saber que seu filho tem tudo que quer.

O Senhor Estresse não tinha tempo para adoecer, mas adoeceu. Ele teve depressão após um surto de transtorno de pânico causado por inúmeras dívidas. Ele e sua esposa, a Senhora Falência, tiveram sérios problemas ao comprarem mais do que podiam. Eles fizeram o que grande parte da classe C faz para melhorar de vida em Brasília. Compraram um grande terreno irregular para construírem um sobrado com a única e exclusiva intenção – convidar os amigos para ver.

A Senhora Ilusão também teve problemas de saúde. Ela ficou com um tique nervoso e levantava com um espasmo o ombro direito, fazendo como uma galinha de uma asa só. A Senhora Ilusão, viciada em novela e aqueles programas dominicais tivera vontade de casar. Aos 43 anos, sem filhos, e com um vestido de noiva amarelado que estava guardado quando achasse o suposto pretendente, ela surtou. Não teve tempo de aprender bom senso, provar pitadas de autoconhecimento em nenhuma reflexão fulgente na vida. Choramingava todos os dias e sua asa quebrada não servia para voar.

O Senhor Sossego era amigo do Senhor Calmo. Ambos faziam aula de violão. Eles tinham o hábito de planejar sonhos que, geralmente, incluíam viagens para visitar amigos de verdade, conhecer cachoeiras ou lugares históricos sem preocuparem-se com a aparência. Usavam roupas simples, não ligavam para grife nem para nada que os outros iriam dizer. Solteiros e com fama de gays eram bonsaistas famosos do Brasil e levavam a vida para conhecer flores.

As crianças viciadas em computador, claro, super obesas, conversavam com a Senhora Enjôo e com o Senhor Abelhudo sobre cantoras que se retorcem em clipes bizarros para fazerem sucesso. A Senhora Adele, cantora de verdade, não agüentou e pediu demissão e a Senhorita Amy, cantora, também de verdade, perdida nos golpes do ofuscado caminho para entender seu próprio talento, decidiu morrer. Agora, o Senhor urgência mascarado de consumismo e dor tenta reencontrar parentes que desapareceram. Nesse complicado encontro, olha-se no espelho e não se reconhece mais. Atrás dele, a Senhorita Vida pede nova chance e ele resolve sair.

Fábio Alvino
Enviado por Fábio Alvino em 06/08/2013
Reeditado em 06/08/2013
Código do texto: T4421495
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