"ISO"

Após mais um dia árduo de trabalho e um banho relaxante, deitado, quando fui surpreendido por uma senhora de idade, bem velhinha mesmo, ao lado da minha cama, me olhando, concentradamente. Sorriu ao me ver abrir os olhos. Não correspondi o sorriso, mas fiquei sem ação.

A princípio, pensei se tratar de um sonho, porém logo afastei esse pensamento, pois estava apenas de olhos fechados, não tinha pego no sono ainda.

A anciã, assim que percebeu o meu despertar, foi logo dizendo que era um anjo e que eu tinha sido o escolhido, dentre todos os seres vivos, a estar frente a frente com o Criador para lhe fazer um, e somente um, pedido, desde que aceitasse as condições. Ainda estupefato, escutei as condições: Não fazer nenhuma pergunta a Ele e nunca, em hipótese alguma, revelar a sua aparência a ninguém. Aceitei com um simples aceno de cabeça. A velhinha (anjo) me tomou pela mão e me conduziu a um elevador que estava bem no meio da minha sala. Entramos. Ela apertou o botão correspondente à cobertura.

Durante o deslocamento, inevitavelmente, me veio à mente muitos pensamentos: Por que eu? O que eu teria feito? Ou não feito? E Ele, era sábio mesmo, pois soube colocar a imagem correta para que eu não atacasse o anjo quando o visse. Sim, pois se colocasse a imagem de um homem eu o atacaria, pensando ser um assalto ou coisa parecida. Se o colocasse com a imagem de uma mulher, jovem, bonita, eu a “atacaria”, não do mesmo jeito que atacaria o pseudo-assaltante. Sabendo as várias formas de se empregar o verbo “atacar”, foi sábio.

Pois foi durante a viagem que o embasbacamento passou, e com mais calma, pude notar que o anjo, que me conduzia, nada tinha a ver com os anjos que “conhecemos”. Não usava roupa branca, não tinha cabelinhos loiros encaracolados, não tinha aureola e muito menos asinhas.

Já tínhamos chegado à ante-sala d’Ele quando o anjo (velhinha) dirigiu-me pela última vez a palavra, dizendo que esperasse até que a porta se abrisse (apontou para uma enorme porta fechada, à nossa frente). Concordei e perguntei se eu tinha morrido. Sorriu, balançou a cabeça negativamente e desapareceu elevador adentro.

Mal tinha me recostado no sofá da ante-sala e a porta se abriu. Esperei algum comando que me mandasse entrar. Nada. Fui me dirigindo na direção da porta e entrei.

No interior da sala, verifiquei, antes de qualquer coisa, Ele, sentado em Sua poltrona giratória, assinando alguns papeis. À Sua esquerda, quatro pessoas (dois homens e duas mulheres) muito bem arrumados, sentados em um sofá, consultando e anotando em suas planilhas. À direita d’Ele, uma imensa janela de vidro. Em cima de Sua mesa, porta retratos de um bebê recém nascido em uma manjedoura e de um menino, aparentando uns 15 anos, trabalhando numa marcenaria. Em suma, a decoração da sala era pós-moderna, porém com muita classe, como a sala de um presidente de empresa.

Notei que todos me olhavam e lembrei qual era o meu objetivo lá. Ia começar a pedir, quando me lembrei que não tinha pensado no pedido. Fechei os olhos e imaginei que poderia pedir uma conta bancária com uma cifra recheada de zeros à direita do número um, nas Ilhas Caiman, ou então pedir aquela mulher desejadíssima por todos, ou quem sabe até mesmo um palácio coberto de ouro e marfim em Dubai. Poderia ter pedido a paz mundial (o que logo descartei, pois um mundo perfeito não precisaria de administrador e eu não queria ser o causador de Sua demissão). Sei lá...Passava-me tantas idéias, que me direcionei a janela para ter uma convicção do meu pedido. Enquanto me deslocava olhei diretamente para o semblante tranqüilo do Criador que me olhava e praticamente me dizia que eu tinha todo o tempo do mundo.

Ao chegar à imensa janela que provavelmente me daria inspiração para o pedido. Tive que admitir que Ele tinha uma visão privilegiada do nosso planeta.

Para um maior discernimento, dei uma olhada para o lado do continente asiático e fixei os olhos no oriente médio onde percebi a guerra e a destruição andando de mãos dadas, devastando tudo que tinham pela frente aproveitando-se das batalhas que lá existem.

Tentei voltar ao meu propósito fazendo um “tour” pela África. Não foi uma boa idéia, pois a fome e a morte estavam lado a lado só esperando para agarrar mais um, tais e quais uns abutres aguardando o moribundo sucumbir.

Achei que uma olhadinha para o nosso país seria gratificante, pois aqui somos agraciados com tantas belezas. Uma vez mais tive o coração destruído quando em meu raio de visão estava a região nordeste e nela a miséria e a tristeza reinavam absolutas, sem uma ameaça sequer ao seu despotismo.

Virei as costas para a janela. Olhos marejados. Andei fixamente em direção a Ele e pedi, realmente pedi de coração, que aquilo que eu estava passando fosse um sonho e que eu acordasse na minha cama, de onde tinha saído há alguns instantes, pois tinha percebido o quanto eu era agraciado pela vida simples que levava. Lembrei de meus pais me dando carinho, das brincadeiras com meus irmãos, do nascimento de minhas filhas, dos muitos momentos felizes que muitos não terão.

Ele me olhou sorrindo e com o mesmo sorriso olhou para a comissão ao seu lado.

Acordei assustado, suando frio. Lembrei de quase todo o sonho (sim eu tinha certeza que era um sonho, pois foi o meu pedido, não foi??) menos do rosto d’Ele.

Alguns dias depois fui surpreendido em meu trabalho com uma comissão que adentrava, todos muito bem arrumados. Fiquei sabendo que eram de uma comissão para a certificação do ISO na empresa.

Será que a humanidade também é sujeita a uma aprovação de ISO? Se for, estão me devendo uma.