Conversando com a minha amiga Nora, que conheci através da minha amiga Gina, eu lhe disse que acho estranho atribuirem ações a determinados substantivos, como: as estrelas choram, a lua se envaidece, o vento uiva, essas coisas.. Não é o tipo de poema que eu normalmente goste de ler. Acho a minha cabeça realista demais. Teria dificuldade em escrever um texto sobre o cheiro do Amor, visto que a palavra amor é um substantivo abstrato. As pessoas tem cheiro, coisas reais tem cheiro, não o amor. Quando muito, eu poderia falar o que ou quem determinados cheiros me lembram. 

Ela, então, me deu um exemplo claro para o que eu estava buscando: 
- "Eu amo Gina (nada de homoafetividade), ela me escreve on line que não está bem, eu saio imediatamente e vou a casa dela, cuido dela. Massagem para ela relaxar tem cheiro, comidinha feita especialmente pra ela tem cheiro, vinho do Porto pra ela ir se restabelecendo tem cheiro. Enfim, o Amor tem cheiro porque tem lembranças, tem corpos, tem lugares, tem emoções..."
E a frase mais linda: "O Amor tem cheiro de significância, sem precisar ser ou ter fragrância".

- Ah! Sim, então eu posso escrever sobre tantos cheiros que já passaram pela minha vida! Posso falar sobre o perfume natural das minhas netinhas, sobre o sabonete que uso porque tem o cheiro aproximado do sabonete que a minha mãe usava, sobre o efeito que me causa o cheiro de incenso de âmbar numa saudade de mim quando fui feliz, sobre o perfuminho suave de um frasco que tenho em cima da mesa de trabalho e que o aspiro sempre que estou cansada.... Agradeci a minha amiga e fui dormir.

Mal sabíamos, ela e eu, que no dia seguinte, o Amor, em mim, teria cheiro de vômito. Morreu meu amigo, um grande amigo, e o baque foi tão forte que não suportei e joguei o pavor na privada. Percebi que também o vômito pode ser um cheiro, estranho, para o Amor, porque contém lembranças, corpos, lugares, emoções e que ele é a soma de tudo isso. Porque as lembranças de todo o tempo em que convivi com o meu amigo atravessaram como raios na minha memória. Porque o meu corpo não suportou esse adeus repentino. Porque o lugar mais propício para desabar é num vaso sanitário. Porque a emoção, quando incontida, abre as narinas de tal forma que crava o momento, feito fotografia. Porque o vômito, assim como o Amor, tem cheiro de significância, porque não se expulsa o insignificante de dentro de nós. 
Tem razão, afinal, a minha amiga: o Amor tem muitos cheiros. Hoje, um incenso de âmbar, em memória das amizades verdadeiras.










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