* A professora de Português era chata.
 
Comentavam que ela havia sido freira.
Nas suas conversas, fora do conteúdo da disciplina, tentava, o tempo todo, impor suas convicções, sem demonstrar o menor respeito em relação ao pensamento alheio.
 
Se dizia algo interessante, o radicalismo impedia de atrair a simpatia dos alunos.
 
* Naquela tarde cada grupo apresentaria um texto narrativo.
 
Apenas uma pessoa, representando o grupo, realizaria a leitura do texto.
 
Minha intuição revelava que eu seria o escolhido.
Dois motivos me levaram a fazer essa previsão.
 
* A minha timidez, mil vezes superior à timidez atual, despertava a curiosidade dos professores.
Eu não sei o motivo exato, porém os mestres adoram escutar um tímido falando. Eles adotam um tratamento de choque.
Sempre solicitam que o tímido diga algo.
 
Sem saber que os tímidos preferem a quietude, eles não ligam para as angústias bobas de quem quer ficar sossegado no seu cantinho.
 
* O segundo motivo tem a ver com as frases da sabedoria popular.

Quando existem várias pessoas, mas somente um é o beneficiado, levando vantagem, enquanto os outros costumam ser esquecidos, as pessoas preteridas reclamam dizendo “Por acaso ele é o mais bonito?”.
 
Não havia erro nem discussão nesse sentido, eu era o mais bonito.
 
Dessa forma, foi muito fácil concluir que a ex-freira escolheria “Ilmar”.
 
* Os componentes da equipe criaram um texto que não me agradou.
 
A narração que foi elaborada, com pouquíssimos palpites meus, não embalava e soava enjoada.
Não espalhem, mas o texto era uma porcaria.
 
Na noite anterior, fiquei treinando a leitura da narração, imaginando, conforme expliquei acima, que eu seria o felizardo.
 
Logo percebi que eu não conseguiria ler aquele texto.
Aliás, comecei a desconfiar que a nossa leitura corria o risco de virar um terrível fiasco.
 
Resolvi agir.
 
* Objetivando colocar vida no texto, fiz modificações importantes.
 
Recordo que a história falava sobre um cão o qual sumiu.

Deram um nome brasileiro ao cachorro.
Imediatamente corrigi a falha.
Recordei “Lassie”, “Scooby-Doo” e “Beethoven”.
 
Os cachorros só empolgam caso tenham nomes estrangeiros.
Não consegui recordar um cão da ficção brasileiro.
 
Cachorros, com nomes brasileiros, não entusiasmam.
 
Escolhi o nome “Toy”.
Fiz essa e muitas outras mudanças.
No dia seguinte, nada disse ao grupo, pois, apesar de muito improvável, talvez a professora não me escolhesse.
 
A “escolha” foi confirmada.
Só restava ler o novo texto que minha equipe ignorava.
 
* Assim aconteceu!
 
Durante a leitura, tentei enfatizar o garoto preocupado procurando o cão desaparecido:
_ Toy! Cadê o meu Toy?
 
Todos sorriram, pois ficou engraçado.
 
Após concluir, houve comentários avaliando se a leitura foi boa ou não.
Quanto ao texto, felizmente ele foi aprovado sem nenhuma restrição.
 
Os colegas da equipe não reclamaram.
Afinal de contas, eu salvei a apresentação.
Já que bolaram uma trama tão boba, era vital pôr pimenta no texto.
 
* Eu procurei o auxílio do “brinquedo” (a tradução de 'toy”) que não era brinquedo, entretanto um simpático cachorro o qual tentou escapar.
 
Confesso que foi satisfatório na ocasião, contudo eu jamais arriscaria publicar, no doce canto Recanto, um texto dessa natureza.
 
Vocês não aprovariam e terminariam decepcionados.
Na época, no entanto foi o que melhor conseguimos.
 
* Hoje, sem equipes, me esforço para criar textos bacanas e envolventes.
 
Cães que desaparecem momentaneamente, é preciso admitir, fariam os gentis recantistas me desprezarem.
 
Não adiantaria nada eu continuar sendo o mais bonito nem escolher nomes criativos, nacionais ou internacionais.

Eu gritaria bastante aflito:
_ Leitores! Cadê os meus leitores?
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 21/09/2013
Reeditado em 21/09/2013
Código do texto: T4491200
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