A Ditadura Ditando as Regras

O Exercito chegando...

No horizonte a cor era cinza. Cinza escuro, a cor daqueles dias em que antecede uma tempestade. No semblante do meu avô transparecia preocupação. Em seu pescoço podia sentir o pulsar de sua veia jugular regando o corpo de sangue.

Meu tio havia sido confiscado juntamente com outros tantos jovens de sua idade, para o “tiro de guerra” onde deveria permanecer em prontidão, caso a pátria dele necessitasse se houvesse guerra ou outras emergências afins comum no regime militar da época.

Tio Luiz se encontrava enfermo, e segundo Marco Polo, amigo da família e médico que o havia visitado, este se encontrava a beira do colapso nervoso total. Não mais comia ou dormia, sendo seu peso perto de quarenta quilos com margem de dúvida de dois pontos percentuais abaixo ou dois acima, como nas estatísticas do IBOPE nas pesquisas eleitorais. Diferente dos noventa e nove, sem margem de erro, que possuía quando adentrou o quartel no começo do ano de Mil Novecentos e Sessenta e Oito. Jovem, forte, musculoso, bonito, desses que hoje encontramos fazendo propaganda de roupa de grife nas colunas da moda, não perdia muito para os artistas de propaganda de cigarros que apareciam nos teatros de resvista.

Meu avô há meses tentava a liberação do meu tio que "servia" a Pátria.

Como poderia uma pessoa servir a Pátria se não conseguia servir a si próprio?

Deputados e Prefeitos foram acionados por meu avô para que interviessem na liberação do meu tio, visto a sua demência e debilidade. Zé Contantino, homem franzino, advogado influente e futuro deputado estadual, liderava o movimento penalizado com a situação.

A ditadura nunca foi tão ditadora quanto na situação periclitante em que o grande fazendeiro e seu filho se encontravam. Por que manter um moribundo enclausurado?

A fazenda estava toda em oração a todas as virgens e santos de plantão que faziam serão em favor do tio Luiz.

Uma reunião, extraordinária, havia sido marcada com os generais que insistiam em dificultar a saída do meu tio da clausura, onde se encontrava desde Janeiro. Meu Deus! Já estávamos em Setembro.

- Meu filho vai morrer! Sentenciava meu avô.

Longe... Naquele fim de mundo, só pombo correio trazia as informações da cidade. No lombo do burro vermelho do meu avô os aviamentos já se faziam prontos. Um arreio todo fabricado em couro cor de chumbo, com grandes fivelas douradas, ornamentando os estribos que meu avô enganchava as suas botinas de couro de boi zebu (espécie de gado vermelho com longas orelhas que eram maiores que as suas cabeças). Por sobre a cela via-se um grande pelego branco, ornamento cavalariço, feito da mais pura e alva lã de ovelha, confeccionado por minha avó, que após tosar a ovelha, deixava à mostra as costelas das "coitadas" que tremulavam nas beiradas do paiol, nos dias de chuva, por conta do frio que sentiam ao serem despidas de suas vestes naturais.

Minha avó fiava a lã - que era colocada em uma engenhoca de madeira com grandes rodas, onde a lã retirada das ovelhas era puxada em fios até formar uma linha com que ela confeccionava imensos cobertores que nos aqueciam no inverno e de sobra confeccionava os pelegos (acessório de montaria), nas cores mais diversas, conseguidas com tinta do tronco das árvores existentes na fazenda, daquelas que se pintavam os rostos dos índios em dias de festa.

O grande cobertor colocado sobre o arreio deixava ver apenas os ganchos de madeira onde meu avô apoiava as pontas do freio, objeto que possuía um tipo de engrenagem de metal que colocado dentro da boca do animal o direcionava, quando se puxava as rédeas pra esquerda ou direita. As rédeas eram feitas de corda e um fio dourado sintético que vinha da cidade grande. Meu avô dizia ser “importado”. Mariana não tinha idéia do que a aquela palavra significava e, jamais ousara perguntar, imaginando em sua cabecinha de criança se tratar de alguma pornografia.

O cavalo estava a postos aguardando apenas alguma noticia sobre a nefasta reunião, para que meu avô se pusesse em cima dele e adentrasse a estradinha que direcionava a cidade que ficava a exatos quinze quilômetros hoje medidos nos aparelhos de GPS.

Por não mais agüentar a ansiedade, dizia com todos os ares de seu pulmão: - Hoje trago o meu filho! Nem que seja na bala.

Momentos angustiantes se passaram... Não sei dizer quantos... Pois, pareceram infindáveis.

Uma grande fumaça de poeira apareceu na curva que havia no caminho e como grandes pássaros verdes, que faziam um pouso de emergência surgiram trinta carros, verde musgo, enfileirados com grandes bandeiras hasteadas e no mínimo cem policiais todos com uniformes impecáveis da cor dos carros, com grandes rifles e metralhadoras empunhados.

Era a visão do inferno.

Amedrontados todos os moradores da fazenda se escondiam, uns no forno a lenha, outros em cilos (depósitos de capim) enormes e outros ainda, rolavam pra debaixo das camas, procurando o melhor local para esconderijo, imaginando se tratar da previsão do apocalipse, onde “as trombetas haveriam de tocar em todos os cantos da terra” e certamente começariam por aquele mais remoto “canto”. o da fazenda do vovô.

Do primeiro carro surgiram homens com fardas verdejantes e nas costas uma cruz vermelha, aplicada, que chegavam a reluzir diante das luzes vermelhas que piscavam sem parar acompanhando o movimento das sirenes que invadiam nossos tímpanos. As cruzes anunciavam Que aquele carro era uma ambulância e que ali havia pessoa doente.

Meu tio surgiu dentre os ocupantes do segundo carro guiado pelos soldados de apenas uma estrela em seus antebraços que significava ocupar o menor cargo na carreira militar. Desnorteado, feito um zumbi, sob o efeito das drogas que lhe eram ministradas, caminhou, cambaleante, em direção ao meu avô que não parecia acreditar no que presenciava.

De joelhos, meu avô agradeceu ao comandante do Exercito. Obrigada por devolver meu filho! Não servirá a Pátria, mas o que seria de nós (se referindo a todos) sem meu amado filho?

Continências e agradecimentos feitos. A fazenda se tornou uma grande festa que durou semanas, até que para alegria de Mariana surge Dona Mercedes e seus dois filhos que se dirigem para a reunião política na Fazenda Capela......

Mariana Quintanilha
Enviado por Mariana Quintanilha em 22/09/2013
Reeditado em 17/11/2013
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