Girassol, gira vida.

Dia nublado, lá fora caia uma garoa fininha. Era começo de noite, e já fazia frio. Comi ovos com presunto no jantar, e pão centeio. Tia Rosalva sempre me trazia pão centeio.

Liguei a TV, naveguei entre os canais, mas como de praxe não havia programação atraente. Resolvi tentar o rádio. Girei lentamente o botão que alterava as estações, e parei na 97.8 FM, estava tocando Billy Holiday.

Aí eu tive vontade de arrebentar aquele rádio, de arrebentar as minhas lembranças, e de derrubar um avião.

Tocava Billy Holiday, quando nos conhecemos, e tocou em vários outros momentos.

Eu me lembrei da sua cantada esdrúxula me oferecendo um drink, e do cheiro do perfume barato que você usava.

A mente trouxe a tona coisas que o coração queria esquecer. O coração sempre é traidor quando mais precisamos da sua fidelidade. E foi assim que sem querer eu chorei. Chorei por tudo que esse romance poderia ter sido e não chegou a ser. Por todo o bem que podíamos ter sido um para o outro e não fomos. Isso tudo é tão clichê, mas é o que acaba acontecendo em tragédias de um amor comum, como a nossa.

Na mesma intensidade que eu me entregava, era como se visse, um girassol tentar sobreviver em meio há pedregulhos. E sim um girassol não sobrevive, em meio há pedras. Como sobreviveria um amor, sufocado, oprimido?

Olhei para o telefone, resisti enquanto pude. Mas o seu número ainda estava límpido na minha memória tão desorganizada. Que mais eu poderia fazer?

Escrevi o seu número várias vezes, repetidamente num folha até preenchê-la. Depois amassei, e joguei pela janela.

Nas semanas seguintes, o meu cronograma, e o meu foco mudaram.

Um dia pensei, é por isso que muitas pessoas não melhoram, não evoluem, porque elas não mudam o foco, e nem se desapegam daquilo ou de quem não as faz bem.

Passei a beber vinho, as caminhadas vespertinas na praia e os encontros com pessoas queridas, se tornaram mais frequentes.

Em alguns meses, eu já não lembrava seu número, e meu coração não era mais refém das minhas memórias.

Arranquei meu girassol do meio das pedras, e resolvi plantá-lo em uma terra onde ele pudesse florescer.

Patricia Naia
Enviado por Patricia Naia em 22/09/2013
Reeditado em 26/09/2013
Código do texto: T4493454
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