Sobre A Dor

Às vezes parece que não nos resta muita coisa. À noite, em meio à escuridão, com pensamentos inundando a mente… E nada, nada parece fazer sentido. Lembranças de um tempo que se foi, talvez bom, talvez ruim. Talvez, até, lembranças de algo que, na verdade, nunca foi real. Lembranças de pensamentos que hoje já não fazem mais sentido. Lembranças de quando a ingenuidade predominava e a felicidade ainda parecia ser alcançável.

Bem-vindos à dor. Não, não aquela dor física, que deixa marca e faz sangrar. Esta dor é pior. Pois ninguém pode ver que você sofre. Uma dor invisível aos olhos. Um sofrimento interno e duradouro, persistente, incontrolável. Dor que não há remédio que cure, pois, mesmo durante o sono, parece doer. As lembranças fazem doer. As visões fazem doer. Tudo que nos cerca faz doer. A doença toma conta.

Sob uma luz fraca, um livro, uma foto, uma xícara de algo bem quente (mas não quente o bastante pra queimar essa dor... nunca!). E, em frente a tudo isso, uma alma despedaçada pelo tempo e pelas intempéries mundanas. Pessoas, fatos, sentimentos... Tudo colaborou para a erosão desta alma. Tudo ao redor caiu e fez desta alma um sobrevivente, atordoado, à procura de uma saída. À procura de um restinho de vida debaixo dos escombros de uma vida desestruturada.

O tempo está bonito, mas só é possível ver chuva. Os olhos, marejados, já não sabem distinguir e nem querem aceitar a realidade. Os colibris parecem corvos. As flores da primavera se assemelham à natureza morta vista num quadro há séculos atrás. Ou anos, não dá pra saber ao certo. Perde-se a noção de tempo quando esta situação toma conta. Tempo. Sei que tempo é tudo que não existe mais. Tempo, na verdade, nunca existiu. Não pode ser visto, tocado, sentido. Sentimos o efeito, mas não podemos medicá-lo. Isso não é justo. O que é justo? Justiça? Não sei de nada. Sei que faço jus ao vazio dentro de mim. Sou oco.

Ou não. Se a dor pode ser considerada matéria, ela me preenche. Não sei o que seria pior, sentir nada ou sentir apenas dor. Talvez sentir nada seja pior. Eu não teria o que comentar a respeito se nada passasse aqui dentro. Minhas veias funcionam como rodovias para o arrependimento. Cada célula deste corpo moribundo clama por vida (embora admita que melhor seria não viver mais... não ter vivido nunca). Ah, a dor. Sim, a dor. Ela é inerente.

Mentira. Apesar de ter sido sincero por toda a minha “vida”, acabei mentindo. A dor não é inerente. A dor sou eu. Ou eu sou a dor. Tanto faz, neste ponto. Somos um só. E isso, garanto, não é nada bom. Olhar o reflexo no espelho e ver apenas estilhaços de si mesmo. Como se o espelho estivesse quebrado. Olho no chão e vejo cacos de mim por toda parte. Eu estou despedaçando.

Deixei de ser humano. Isto é, caso eu tenha sido algum dia. Lentamente vou caindo ao chão, torno-me pó. A dor ainda existe, ela persiste, ela é eterna. Os resquícios de mim, pequenos fragmentos de dor, ficarão aqui, até o vento levar. E, acredite em mim. Cedo ou tarde alguns desses meus fragmentos chegarão até você. Espero que se prepare. Não vai ser fácil pra ninguém aguentar um único pedacinho dessa dor que eu senti, dessa dor que eu fui. Boa sorte. Aqui me despeço, eu não existo mais. Agora sou mais de um. E logo seremos mais. Do mesmo. Sempre. Infelizmente. Como eu disse, a dor é eterna. Deem adeus àquilo que fui. E preparem-se para sermos um só.

Edimar Silva
Enviado por Edimar Silva em 23/09/2013
Código do texto: T4495159
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