Ultrapassagem do "Airton ".

O Porre do Zé Pasquim...

Mariana acorda cedo. Não se trata de um dia normal como outro qualquer, mas, sim de um dia especial daqueles pintados nas cores de domingo.

No terreiro, montanhas de café denunciam que a colheita terminou. Os funcionários estão alvoroçados, inclusive, os que provisoriamente se alojavam em uma tulha próxima ao terreiro. Mariana se sentia aliviada, pois, não haveria mais as brigas dos Tobias que se faziam acontecer todas as tardes ao final da jornada de trabalho. Meu Deus como eles não se entendiam! Isto não vai acabar bem! Um dia ainda se matam! Profetizava Mariana.

Os Tobias, naquele dia, acordaram cedo, e alvoroçados, conversavam animadamente, sobre a festa que meu pai organizava para comemorar o final daquela safra.

Vinho, muito vinho, cachaça de todas as marcas para satisfazer o gosto de cada um. Comida, das mais variadas, estavam sendo preparadas na cozinha da fazenda.

Só na tulha eram cinco da família Tobias, que todos os anos participavam daquela grande empreitada. Os outros vinham de sítios vizinhos para aproveitar as diárias fartas que meu pai fornecia aos apanhadores. Zé Pasquim chegou cedo. Mariana observava tudo e perguntou ao pai por que Zé Pasquim tinha os olhos arregalados. Meu pai satisfazendo a curiosidade da menina, responde prontamente: Zé Pasquim levou um tremendo susto quando nasceu ao ver a mãe. Arregalou os olhos e nunca mais voltou ao normal. Mariana ficou o dia todo, a imaginar como seria a mãe do dono dos olhos esbugalhados.

Já passava das onze horas quando a festa começou.

Atendendo meu pai, ninguém trouxe para o almoço a tradicional marmita, que em sua maioria continha: arroz, feijão e ovo frito e para o café da tarde, basicamente traziam em uma garrafa de cerveja ou guaraná o café com leite que era misturado com farinha em uma caneca de alumínio.

Além dos apanhadores vieram também os donos dos burros e das boiadas.

A lavoura ficava na encosta do morro, lá em cima. Bem perto do topo e o transporte era feito em grandes balaios feitos de bambu no lombo dos burros e nos carros puxados pelos bois que desciam fazendo um barulho ensurdecedor provocado pelo atrito do eixo de madeira e a “mesa” do carro onde eram colocados os balaios de café.

O café era espalhado, em camadas finas, em terreiros feitos de cimento grosso, onde eram secos pelo sol e acondicionados em sacos de estopa marrom. Tudo feito manualmente, longe das máquinas e suplementos agrícolas, sequer sonhados pela comunidade da fazenda naqueles idos anos 70.

Os sacos eram costurados com enormes agulhas e um barbante que, na maioria das vezes, meu pai tirava do próprio saco desfiando seu acabamento.

Os assuntos eram dos mais variados. Uns diziam: a varredura é melhor para a bebida. O que significava que o produto que caia no chão e era juntado com uma pequena vassoura feita com ramos de “guanxuma”, erva daninha que alastrava em todo o cafezal. Outros discordavam, dizendo:... A melhor bebida se faz com os grãos que secam no galho. Mariana ficava "tonta" imaginando, com surpresa, a infinidade de bebida que aquela fruta fornecia. Para ela não fazia a menor diferença, só notava o amargo e o doce do café, mas, isto atribuía à quantidade de açúcar.

Piadas eram contadas e o nível delas se media pela quantidade de bebida consumida.

A festa rolava solta, quando Maria “goela” veio avisar meu pai que seu irmão estava à beira da morte tanto era o sangue que colocava pela boca e nariz. Meu pai nos seus cem por cento de proteção corre em socorro de Zé Pasquim.

“Meu pai eteno!” Exclama o dono da festa, ao ver o Zé com a roupa toda manchada de uma substância num tom vermelho púrpura deitado sobre a relva.

Como um sábio doutor formado na escola da vida, concluiu que o sangue ao qual Maria se referia se tratava da imensa quantidade de vinho consumido pelo Zé e que agora voltava em grandes golfadas.

O Zé estava bêbado!

Solução não há, a não ser esperar passar o efeito da bebida. Levá-lo-emos na casa da mãe.

Mariana, esperta subiu no carro do pai, um Jipe ano 1951 de cor verde dos que eram usados nos exércitos e na cavalaria da época. Não perdia um lance do desenrolar dos fatos.

Rumaram à casa do Zé. A irmã num soluço só, durante a trajetória, afirmava que meu pai havia matado o Zé, pois, este não emitia mais nenhum som e tampouco algum movimento, tamanho o seu grau de embriaguês. Somente o “sangue” lhe escorria pelo canto direito da boca, visto a posição que meu pai o havia colocado com a cabeça recostada no ombro da irmã.

A mãe do Zé apareceu na porta muito assustada, visto não ser comum a chegada de automóvel em sua casa. Era uma velhinha de ar ameaçador que ao ver o filho “morto” alcança a cartucheira no canto esquerdo da porta emitindo sons aterrorizantes.

Rosnando feito um cão veio na direção do meu pai na defensiva do filho que dormia o sono dos justos, tamanho era o seu porre.

Meu pai numa manobra radical, depois de deixar o Zé, toma o caminho de volta e feito Airton Sena numa ultrapassagem perfeita, deixa pra trás a mãe do Zé.

Mariana finalmente compreende o porquê de o Zé Pasquim ter os olhos arregalados.

... E arregalados vão ficar os seus olhos na chegada do Exército com trinta carros de Infantaria na fazenda do Avô...

Mariana Quintanilha
Enviado por Mariana Quintanilha em 26/09/2013
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