Fratura

por Elisa Yule Diaz

Eu não esperava por ninguém na minha vida e de repente você entrou em cena, alguém já disse que a vida da gente é como um teatro e nós somos os roteiristas, iluminadores, personagens, faxineiros, platéia, aqueles que desenham cenários e vendem as entradas... às vezes vendemos até a alma....

O primeiro grande personagem, senhor absoluto, é o tempo. Correndo entre bastidores ou poltronas como um hamster em permamente agitação. Corre dali e daqui, às vezes dá um tapa com a patinha e um de nós cai do palco, quebra a perna, quebra a cara, perde a vida.

Alguma coisa maior que nos dita a parte que escapa: o inesperado e imprevisível, o cruel ou bondoso que nos acontece e nos posta de um lado ou outro do palco, assumindo este ou aquele papel, esquecendo falas, trocando personagens, vestindo a roupa errada, ou acertando lindamente até sem querer. São os momentos felizes, em que podemos tirar a máscara e dizer ao espelho ou aos espectadores: ESTE SOU EU. E alguém vai nos amar assim como somos ou pensamos ser.

É muito rica a vida nesse teatro. Nós nos fantasiamos no camarim, choramos nos bastidores, espiamos atrás das cortinas, recitamos nossas falas. Um ponto desconhecido sopra palavras e dita silêncios quando somos muito desatentos. Frequentemente nos distraímos, pois há uma luz intensa que vem de cima, uma escuridão de segredos escancarada embaixo. E todos esses rostos conosco no palco ou na platéia, nos chamam, nos interrogam, quem é você, o que faz aí plantado ou se agitando o tempo todo? Às vezes estabelecemos diálogos: abrem-se círculos de claridade, amor, amizade, alegria, a gente ri, bate palmas, sente-se acolhido e reconfortado. Ou alguém nos coloca sozinhos na boca de cena, sem roteiro algum. E agora, e agora, o que fazer... o que dizer?

A vida como um teatro nunca é tediosa, se sabemos enxergar: ali tudo nos seduz, nos joga fora, nos chama de volta, nos leva aos consultórios dos terapeutas ou aos braços dos amantes, nos transforma em personagens de ficção complicada. Mas no fundo a gente sabe: “EU SOU ISSO” ou “ EU SOU ESSE NÃO SABER DIREITO COISA ALGUMA, MAS VOU CONTINUAR EM FRENTE, E ME ESFORÇO, E LUTO, E ME ENTREGO, E SOU TERNO OU ZANGADO, SOU ABSURDO, MAS ESTA É A MINHA VIDA E ESTA SÃO AS MINHAS DECISÕES. MINHAS ESCOLHAS. OU,ALGUMAS DELAS”.

O cenário de papelão pintado é desenhado por mim ou pelos meus fantasmas, ou ainda pelos meus parceiros de aventuras: quase sempre há nele algumas portas. MUITAS PORTAS. Por trás delas, mais portas: e só quando eu abro alguma delas é que se desenham atrás, com a minha ajuda, a sala, o quarto, o corredor (com mais portas), a janela, o pátio e quem sabe um portãozinho que leva a muitos caminhos. É A MINHA EXISTÊNCIA. Que porta eu vou abrir? O que eu vou desenhar além dela? Que pessoas vou instalar aí, que objetos, que futuros? Que passado quero guardar ou permitir que seja passado?

Assim somos heróis, guerreiros, realizadores, fracassados, condenados, conduzidos ou criadores. Mesmo quando temos de recolher papéis usados no chão da platéia ou costurar a bainha de um traje no camarim, podemos ser reis ou rainhas. BASTA PARAR DE VEZ EM QUANDO PARA PENSAR, E DEPOIS DECIDIR ATÉ ONDE SE PODE IR ANTES DE AGIR: “SIM, eu assumo esse papel”. “NÃO, eu não digo essa fala”. “SIM, eu vou abrir aquela porta e enfrentar o que vem depois dela”. Ou: “NÃO, eu não quero. Vou me enrolar na cortina e fechar os olhos enquanto o ratinho do tempo continua correndo, corre daqui, corre dali. NÃO quero ser herói: posso ser apenas humano?

Não precisamos ser unicamente bonecos. Podemos ser também aqueles que inventam os bonecos, manejam suas cordinhas, escrevem e dizem as falas, e conseguem ser ao mesmo tempo magníficos, inocentes, fortes, solidários, pobrezinhos, desamparados, desesperados, desiludidos ou melancolicos. Pois a dor e o pranto fazem parte da vida, e sentir que afinal nossas atitudes foram as que pudemos tomar, significa que não nos deixamos sempre enganar e conduzir feito manada. Essa é a vida que temos até o último instante e se tivermos fervor e audácia, ou lucidez por que não? ela pode sim ser um belo espetáculo.

Se você tivesse acreditado na seriedade das coisas que te disse brincando, se tivesse prestado atenção em mim e na pessoa que sou talvez a história não tivesse terminado, talvez se você não tivesse tanto medo, ou porque insistisse em fazer escolhas erradas, ou de repente, não foram erradas, apenas não me encontro nelas!Tenha a certeza de que nunca quis esse desfecho e que meu desejo em relação a você permanece inalterado: F.E.L.I.C.I.D.A.D.E.