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Por Elisa Yule Diaz

Precipício aberto sou um ser desabitado. Amasso a carta que reli infinitas vezes sem coragem de jogar fora. Coloquei o último livro dentro da caixa, mas minha vida com você se recusa a caber e terminar ali. Recolho os cacos do porta-retrato atirado ao chão, vontade de sentir o passado presente em você.

Eu precisava deixar de ser seu e você precisava deixar de ser você para sermos nós dois. Enlouqueci. Me senti prisioneiro num labirinto de vendavais. Preciso ser cerzido, ponto por ponto, ter meus fios entrelaçados. Você partiu. Comigo ficaram ventos e chuvas. Preciso de conserto. Você precisa voltar.

Distância louca do que fomos. Nosso amor tinha pressa, não podia esperar a luz ser ligada, o chuveiro era frio, dormíamos em colchonetes, chegávamos atrasados ao trabalho, ríamos alto e fazíamos amor na madrugada. Bicicleta, parque, praia, cachorro, flor, fim de tarde, andar e amar. Tua doçura, minha pressa, tua poesia, minha loucura, teu choro, minha ausência. Felicidade demais dói. Ausência não tem explicação.

Me dou por vencido e finalmente lacro a caixa.Minha coleção de latinhas que você tanto abominava vai embora junto com os presentes de grego que minha mãe deu.De repente, tudo ficou em silêncio, só meu coração insiste em bater. Lá fora as poucas pessoas que passam seguem sua vida normalmente, sequer sabem que existo. Você inclusive.

Às cinco da manhã de um dia errado, enquanto o vento sopra e a saudade morde, João fecha a porta e o passado atrás de si do apartamento 87b de um edifício em Perdizes. Foi aí que o telefone tocou...