Olhos de mutuca

Olá meus caros 23 fiéis leitores e demais 36 de uma passadinha em qualquer dia depois da chuva.

Por falar em chuva, eis o motivo por que não pude estar aqui na hora marcada, 17h19min: chuva forte, chuva com granizo ou, como se diz aqui por Charky City, chuva de pedra.

Como eu não tenho internet em casa, por opção de não ficar viciado, tenho de vir numa lan house e a chuva de pedra foi uma barreira intransponível. Ainda bem que não quebrou nada por aqui. Em Saint Geromy, cidade vizinha, sempre que tem chuva de pedra, é de "pedra grossa", arrasa os telhados das casas. Charky City é uma cidade de sorte.

Assim, ante a chuva de pedra, fiquei pensando: que horário escreverei... 18:19 não, 19:19 e 20:20 foram as opções. Uma outra chuva forte, agora sem pedras, só de "pingo grosso", decidiu por mim: 20h20min. Logo, aqui estou, neste exato horário, 20:20.

Gosto de números, de datas e horários, vocês sabem, mesmo sendo péssimo em matemática. Sou alérgico a álgebra, ex-adicto de adições, submisso a subtrações. Gosto de números, mas não gosto de matemática. Vá entender né?

Vamos ao texto de hoje:

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OLHOS DE MUTUCA

Ninguém decifrava a função dela ali, no presente dos acontecimentos. Isso não importava. Importava é que ela ali estava e ali vivia, trabalhava, encantava e amava.

Tinha belos olhos verdes. "Olhos de mutuca" - como um amigo definiu um dia, para riso de todos. Olhos de Diadorim. De Bruna Lombardi. De Fernanda Vasconcellos. Belos olhos verdes.

Era "belle", como dizem os franceses. "Belle" e, também, "jolie". "Belle" como EmmanuELLE Béart e IsaBELLE Adjani, bem mais como a segunda do que como a primeira. "Jolie" como qualquer pessoa "jolie" que você conheça, menos a Angelina Jolie, até porque os olhos dela eram de um verde intenso e definido, não indecifráveis e indefinidos como os da atriz norteamericana. Ela era "jolie" como qualquer pessoa "jolie", de espírito bonito, legal, simpática. Enfim, uma moça bela e uma pessoa bonita; "belle" e "jolie" , ao mesmo tempo.

Olhos de mutuca. A expressão pegou. Não como apelido, pois ninguém a chamava assim. Pegou como slogan. - A Maria, aquela que tem os olhos de mutuca!

Bom, vocês já perceberam que alguém assim não tinha como não encantar os homens daquele lugar. E isso realmente acontecia. Muitos partilharam de um sentimento de bem querer e encantamento por Maria.

Era o jeito dela, era da natureza dela. Nasceu para isso, para encantar. E encantava. Eis a função de Maria ali, decifrada pelos olhos saudosos e analíticos de hoje.

E assim seguia Maria, aquela dos olhos de mutuca.

Mas, creiam ou não, alguém partiu o seu coração. Sim, houve alguém que teve coragem para tal ato contra uma criatura que nem a Maria. Disparou um tiro de desilusão contra o coração de cristal de Maria. Fez aguar seus olhos de mutuca, igual a chuva torrencial faz com o verde da mata.

Conquistou o seu coração, desfrutou do seu corpo, multiplicou nele a vida e, repentinamente, foi-se. Assim, foi-se, deixando Maria com o ventre em flor.

Existem sentimentos inexplicáveis e incontroláveis. Não se explica de onde eles vem, como se instalam em nós. E não conseguimos controlá-los. Não escolhemos quem amar, não escolhemos por quem sofrer. Não dá para dizer:

- Não vou amar você.

- Não vou sofrer por você.

A gente ama e sofre sem ter controle sobre esses sentimentos. Eu acho isso inexplicável! Vocês também?

Todavia, independente do que você ou eu achemos, Maria amou e depois sofreu. Amor sem saber explicar o porque amou, sofreu sem poder controlar o seu sofrer. Apenas lidava com ele.

E lidava muito bem, diga-se. "Jolie" que era, continuou encantando a todos, que a acudiram da melhor forma que se pode acudir alguém que está de coração partido: dando-lhe atenção, carinho. Dar atenção e carinho para Maria não era nem um pouco difícil.

Nasceu a menina de Maria. "Belle" como a mãe. Isabela foi o nome que Maria escolheu. Seus olhos eram castanhos claros, não eram olhos de mutuca. Mas era "belle", assim mesmo. Parecida fisicamente com a mãe.

E a vida seguiu. Maria se casou com Oswaldo, que não era belo, mas era bom e a adorava. E adorava Isabela. E também Jonas e Maria Clara, os filhos que tiveram.

Hoje Maria é uma lembrança em minha mente. Pois a vida é assim, sem os arroubos da literatura. A vida é simples, de carne, osso, sangue e nervos. De amores e de sofreres, de encantamentos e de pessoas. Que vivem as suas vidas, que tem os seus filhos, as suas desilusões.

Maria, "belle" e "jolie", de encantadores olhos verdes, olhos de mutuca. Daqui de cima dessa pedra, ao topo desse morro, olho o mar a minha frente. Mais adiante ele está de um verde intenso, o mesmo verde dos olhos de Maria.

Maria é hoje uma lembrança, uma boa e doce lembrança. A vida é simples, mas tem pessoas que são especialmente únicas. Como o mar, como o verde do mar.

- Ça va, Jonas?

- Ça va, Sibelle. Je sui très bien, mon amour.

Pego minha preocupada esposa pela mão e saímos a caminhar. A vida é simples e nós somos únicos. Eis nossa função nesse mundo.

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Era isso pessoal. Toda sexta, às 17h19min, estarei aqui no RL com uma nova crônica. Abraço a todos.

Mais textos em:

http://charkycity.blogspot.com

(Não sei porque eu ainda coloco o link desse blog, eu perdi a senha e não atualizo ele há séculos. Até eu descobrir o motivo pelo qual continuo divulgando esse link, vou mantê-lo. Na dúvida, não ultrapasse, né.)

Antônio Bacamarte
Enviado por Antônio Bacamarte em 04/10/2013
Reeditado em 05/10/2013
Código do texto: T4511456
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