Modernidade

Sou um latinoamericano hipermoderno. Não passava de um interiorano marxista, mas o convívio com os portoalegrenses me tornou um pós-estruturalista bacana. Sou um pós tudo. Entrei precoce na crise dos 40. Aos 26. Sofro de problemas existenciais. Dei conta dessa revolução ideológica ontem, quando fui cortar o cabelo em um salão de beleza. Primeira vez que adentro em um na vida. Pra piorar, o salão era em um Shopping Center. Negócio estranho. Passei a vida cortando em um barbeiro gordo que usa guarda-pó. Sempre o mesmo. Falávamos sobre futebol, política, cinema, música, mulheres e televisão. Discutíamos sobre tudo. No fim do ano ele me presenteava com um calendário do Grêmio escrito: Barbearia do Edson. O corte demorava 50 minutos e custavam 10 reais. Quando eu chegava à barbearia sempre tinham duas pessoas pra contar na minha frente. Aproveitava pra ler o jornal. O ritual demorava duas horas. Saía aliviado.

Mas ontem, embebido da minha era pós-estruturalista, resolvi mudar. Oras, sou um portoalegrense hipermoderno! Penso até em curtir música eletrônica, virar vegetariano e surfista e pegar onda. Entrei envergonhado no local, cabisbaixo. Tinha muitas pessoas. E se me vissem? Que pensariam os barbudos companheiros marxistas? Duas bonitas recepcionistas me abordaram.

- Pro senhor? – Perguntaram.

- Quero só cortar o cabelo! – Falei baixo, titubeante, quase inaudível.

Pediram-me o CPF, RG, telefone e endereço. Perguntaram a cor da minha pele. Olhei para meus braços: Branca!

- É pro cadastro senhor. – Justificaram.

Os portoalegrenses hipermodernos são burocratas. Tudo nos devidos lugares. Eu prefiro as coisas rapidamente bagunçadas. Idolatram cadastros, carimbos e relatórios. Devem ter conferido minha ficha policial. Nos dias de hoje todo cuidado é pouco. A bonita recepcionista falou ao microfone:

- Por favor, um corte de cabelo pro senhor Roger Flores Ceccon. – Meu nome ecoou nos alto-falantes.

As madames e os portoalegrenses me olharam. Ruborizei. Uma senhora loira me recepcionou. Era a cabeleireira. Do barbeiro gordo a uma mulher barbeira. Evolução da minha espécie neanderthal. Senti medo. Sentei na cadeira e percebi a insegurança da senhora. Ela tremia. Eu também. Olhei para os lados. Ela parecia não saber manusear a tesoura. Pensei logo na minha orelha. Querida orelha! E se ela arrancasse? Perguntou como eu queria. Expliquei. Ela fez o contrário. Eu quis puxar assunto. Falei que nunca tinha cortado o cabelo em um salão. Ela fingiu não ouvir. Não queria conversa. O cabelo foi cortado em 7 minutos. No silêncio. Eu queria fugir. Acabei ficando. Ao final, perguntou se eu queria passar silicone no cabelo. Ah não. Já é demais. Estranhei. Pensei que meu cabelo pudesse ficar amarelo. Falei que não! Levantei-me e saí. Custaram 25 reais. Corte inflacionado. Fui pra casa assustado. Ser portoalegrense hipermoderno não e fácil. Ainda pretendo ir numa rave e jogar bola de gude no carpete do apartamento.