Aparício? Eu?

Acordou e se espreguiçou lentamente, tentando se preparar para mais um dia de trabalho, monótono como tantos outros. Saiu da cama sentindo-se um pouco estranho, com uma certa sensação de irrealidade, mas até que achou normal. Afinal, tinha passado dos quarenta, a idade começava a pesar um pouco mais e afinal de contas, não era nenhum guri... Á caminho da cozinha, deu uma espiada nos filhos, passou pelo quarto da sogra que roncava ruidosamente e foi em busca do seu café. A esposa já andava por ali, atarefada com as lides matinais, pois geralmente acordava um pouco mais cedo. Ao bom-dia, estranhou as palavras da companheira de longa data: - Aparício, o que é que tu tens? Que cara é esta? Dormiu bem ? - Aparício? Pô, mulher! Que negócio é este? Quem é o Aparício? - Olha Aparício: não começa a procurar confusão agora. Tenho muita coisa que fazer e não vou ficar perdendo tempo com estas bobagens! - Mas mulher, o meu nome não é Aparício. Afinal, quem é esse tal de Aparício? - Aparício, toma o café e para com isso. O único Aparício que eu conheço és tu.

A sogra, já desperta e atenta, entrou de “sola” na conversa e foi logo dizendo que tinha avisado a filha que sabia aquele casamento não podia dar certo mesmo, pois o genro sempre lhe parecera meio estranho, desde os tempos de namoro. Afinal, um sujeito chamado Aparício não podia dar coisa muito boa... Se a filha tivesse casado com o Antoninho... Aquele sim! Era empreiteiro lá por Brasília e diziam que ganhava rios de dinheiro...

Furioso com aquilo tudo, saiu de casa sem o café da manhã e sem se despedir da esposa. Foi direto para o escritório e ao chegar, foi cumprimentado alegremente pelo porteiro do prédio, o “Seu” Valdemar: - Bom dia, "Seu" Aparício! Como lhe vai a vida?

Aquilo já era demais. O Seu Valdemar também? No trabalho? Resolvido a terminar com a brincadeira, sacou do bolso a identidade para mostrar ao porteiro... Lá estava: Aparício Demerval da Silva. Atônito, engoliu em seco, foi direto para o seu setor e não falou mais com ninguém. O que estava acontecendo? Então era verdade? O nome dele era mesmo Aparício? Aquilo só podia ser alguma sacanagem do Traíra, amigo de anos, parceiro de bar e gozador contumaz. Afinal o cara estava sempre aprontando com todo mundo... É claro ! Tudo não passava de uma gozação do Traíra ! Um pouco mais aliviado, mas nem tanto, conseguiu trabalhar, apesar de ser chamado o dia inteiro de Aparício. Ainda balançou um pouco mais, quando ao fim do expediente, foi novamente saudado pelo porteiro:- Até amanhã, "Seu Aparício"... Passe bem... Já era demais....Foi aí que resolveu acabar com aquela sacanagem: iria ao bar e daria uma bronca no Traíra... Eram amigos, mas tudo tem um limite. Afinal, não se chamava Aparício. Isto é nome que se apresente? O meu nome é... é... Porra! Não lembro o meu nome! Será que tenho trabalhado demais? Preciso de umas férias urgentemente... Quem sabe não é o chopp? Chegando ao bar, foi direto ao Traíra, que já andava por lá, as voltas com a inevitável cervejinha: - Pó, Traíra... Que brincadeira sem graça. Como é que vais trocando o meu nome sem mais nem menos?

- Qual é, Aparício! Vai no chopp, vai...

- Pô Traíra, tu sabe que o meu nome não é Aparício!

- Deixa de bobagem Aparício. Fazem trinta anos que nos conhecemos... Tu sempre foi o Aparício! Vai no chopp, vai...

- Olha Traíra, se me chamar de Aparício outra vez, vou te encher de porrada, viu?

Depois de quase se atracar a socos com o Traíra e ser contido pelos amigos, foi embora decidido a desvendar logo aquela situação, pois já começava a pensar que estava enlouquecendo... Será que não estava sonhando? Ou tinha dupla personalidade? Ou dupla identidade? Não, aquilo era real, e agora todos os seus conhecidos lhe chamavam de Aparício. Quem sabe não era alguma sacanagem da sogra? Afinal, ela sempre estava contra ele e vivia falando no tal do Antoninho... Será que não andava abusando da cerveja? Tudo estava ali, muito bem documentado na identidade, no CIC, no título eleitoral, na carteira de motorista: Aparício Demerval da Silva ...

Com o tempo, acabou se acostumando a ser chamado de Aparício, ou Apa, para os de casa! Continuou implicando com o segundo nome, o Demerval! Se os pais ainda estivessem vivos, ele iria tomar satisfações! Aparício ainda vá lá, mas Demerval? De onde arrumaram este nome?

Alguns meses depois, ao despertar, sentiu-se um pouco esquisito, atordoado como se tivesse passado a noite insone ou com pesadelos. Levantou-se, parou em frente ao espelho para escovar os dentes e tudo bem.....lá estava o Aparício de sempre! Nada tinha mudado. Ainda de pijama, foi para a cozinha, onde a esposa providenciava o café da manhã:

- Lupércio? Tu dormiu bem? A tua cara não está muito boa...

- Lupércio? Lupércio? Mamãe, socorro, socorro! Acode aqui rápido que o Lupércio teve um troço...