Excluída, de Martha Medeiros — na Revista O Globo de 20 de outubro de 2013.
A Ana me ligou no final da tarde de sexta: “E aí, você vem?” Eu não fazia ideia sobre o que ela estava falando. Foi então que a Ana se deu conta de que eu não estava no Facebook, portanto, não sabia da festa que a turma havia armado. Co­mo eu não havia me pronunciado, ela resolveu ligar para sa­ber se eu estava viva.
  O cerco está aper­tando. Antes eu troca­va e-mails com os amigos com uma cer­ta frequência, agora todos debandaram, só um ou outro lembra que eu não estou nas redes sociais e faz a caridade de me man­ter informada sobre o que acontece no uni­verso.
  Não tenho vontade de ter perfil em lugar algum (e mesmo as­sim tenho, criados e postados por pessoas que não sei quem são). Instagram, Twit­ter, Whatsapp, nada disso me seduz, não conseguiria tempo para esse contato ele­trizante. Ainda me custa compreender pessoas que deixam o iPhone sobre a mesa do restaurante, que precisam fotografar cada minuto vivido, que desmaiam quando esquecem o celular em casa. Eu deveria ter me alistado na expedição de colonização de Marte, onde certamente eu me sentiria menos deslocada do que aqui na Terra.
  Mas não me alistei, então terei que me ajustar à nova or­dem social do meu planeta.
  Óbvio que a tecnologia não é a vilã da história, e sim o uso obsessivo que se faz dela. Para quem tem autocontrole, esses gadgets são fascinantes por seu dinamismo, modernida­de, capacidade de agregação, de agilização de tarefas, e ain­da resolvem a questão do anonimato, com o qual ninguém mais quer lidar. As redes transformaram palco e plateia nu­ma coisa só: todos são expectadores de todos, ao mesmo tempo que possuem um holofote sobre si. Já que existir vi­rou sinônimo de “quantos me curtem”, a população mundial conseguiu um jeito de ficar quite com o próprio ego.
  É muito provável que eu estivesse nas redes caso não escre­vesse colunas em jor­nais. Como tenho esse canal de expressão semanalmente, não me ­faz falta outros. Ou não fazia. Estou nesse impasse agora: devo mergulhar com mais profundidade no mundo virtual? Reco­nheço três vantagens: acompanhar o que meus amigos andam tramando nas minhas costas, me atualizar com mais rapidez e oferecer aos meus lei­tores um perfil oficial. Além de me sentir me­nos mumificada.
  Será isso que cha­mam de “se reinven­tar”?
  Ando cada vez mais próxima da filosofia budista, exalto a desaceleração, prezo uma boa conversa, adoro ter tempo para meus livros, meu silêncio, minhas caminha­das. Não sinto falta de saber mais, de ter mais acesso à infor­mação, de conhecer mais gente. Por outro lado, não quero me isolar dos amigos nem ficar sem assunto com eles e com o mundo.
  Que dúvida. Pela primeira vez, reflito sobre algo que, nu­ma era em que se debate tudo, pouco se fala no nosso direito de ser indiferente.
 
Martha Medeiros
Enviado por Germino da Terra em 25/10/2013
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