ORLANDO ORFEI E SEUS LEÕES.
 
Há  anos,na década de setenta, quando era repórter da Agência Folhas,na difícil e, ao mesmo tempo na missão confortável de jornalista,recomendou-me o chefe de reportagem,(grande profissional e bom amigo), Romualdo Clouzet,para relatar um acontecimento inusitado e curioso:o leão do Circo de Orlando Orfei ao ser renovada sua alimentação,acabava de escapar da jaula e em questão de segundos atingiu um dos 10 cavalos negros indianos,que se encontravam confinados numa improvisada cocheira...O circo estava montado na praça Princesa Isabel,bem no centro de Sampa,onde a maior figura era Duque de Caxias e seu cavalo monumental.O patrono do Exército montava seu cavalo de bronze,numa praça que não levava seu nome.Isto até hoje. A região é central e o movimento de pessoas e veículos já era imensa,naquela época...
Assim como o nome da praça não combinava com o nosso patrono do Exército,o mesmo não se entendia como um circo de leões e outros bichos poderia ser montado e autorizado no centro da Capital,em Sampa.
O fato foi a poucos metros da FOLHA DE S.PAULO e o CIRCO ORFEI,reinava no meio da praça,entre animais e toda a parafernália que tem uma “troupe” que agrada crianças e gente de qualquer idade,de 8 a 80 anos.
Lembro que fazia frio e fui encapotado na densa neblina paulistana,dispensando o motorista do jornal,da Barão de Limeira. Dois ou três quarteirões já estava na praça princesa Isabel. Encontrei Orfei que ainda um pouco nervoso tentava a duras penas adestrar um macaco,recém adquirido,a fazer os primeiros trejeitos para ganhar um lugar,num dos mais famosos circos que apareceram por aqui.Estava difícil a Orfei ensinar aquele símio as primeiras lições circenses...O macaco refugava.
Por outro:
O leão –indisciplinado- com aquela natural dignidade da linhagem já se encontrava recolhido numa jaula “real”...enquanto o veterinário procurava ainda atender o cavalo indiano que sofreu uma profunda mordida no dorso.Até conhecia o veterinário,que morava na zona norte,onde residia...Disse -oi,ao tratador- enquanto fazia uma enorme atadura no ferimento...Imaginem se esse leão escapa do circo e ganha as ruas de Sampa...confusão e tragédia à vista!!!
Dizia-me Orfei que ele próprio dominou o leão vindo da África e que os cavalos negros,mansos, eram da Índia.De tão negros os belos cavalos que os pelos pretos pareciam azuis...na contraluz.
Enquanto colhia os fatos para os leitores,para o dia seguinte,observava o perigo que o circo representava no centro de Sampa,perto da antiga estação rodoviária,onde a demanda era grande.Essa estação era de propriedade do meu patrão da FOLHA DE S.PAULO. Mais tarde foi desativada e construída outra bem maior,pela governo –onde o metrô hoje descarrega milhares de pessoas diariamente,para embarcar e outros no desembarque...na zona norte.No local passava,antigamente, a antiga ferrovia da Cantareira!Aquela do Adoniran Barbosa,imortalizou com a música= “Trem das Onze”.
Simpático,usando peruca para disfarçar a calvície implacável, de repente,ainda não tranqüilizado pelo incidente,aparece um sujeito de paletó e gravata dizendo-se Oficial de Justiça e que iria penhorar quase tudo que havia ou seja,jamantas,veículos,animais bravios ou não,por ordem da JUSTIÇA...Era uma precatória itinerante!!
Para  Orfei –certamente aquele dia não era um “céu de brigadeiro”. Chamou-me de lado e disse que aquilo tudo era coisa do ex-sócio que estava no nordeste do País e que queria lhe tirar os últimos bens... Sem que fizesse qualquer anotação sobre o fato, Orlando Orfei ofereceu-me uma espécie de suborno para não divulgar o ocorrido...(imaginem)!! O velho circense italiano suava na testa,embora o frio era intenso.
Era a primeira vez na vida que fui colocado à prova de suborno na vida.Isso,até me ofendeu. Vendo o desespero de Orlando Orfei, respondi-lhe que não divulgaria fato nenhum sobre a penhora e coisas que o valha,pois, “era amigo do circo”...Não sei se acreditou ou não.
No dia seguinte, o leão e o cavalo indiano ganharam notoriedade...Nada mais que isso.
A penhora não foi publicada... Afinal, não interessava ao leitor esse incidente pessoal e processual. O leitor não ficou sabendo de nada e eu nunca mais vi Orlando Orfei,que,infelizmente, pensou,de imediato, que era um “picareta”...Só no dia seguinte,talvez viu que meu caráter era outro. O homem prevaleceu na palavra e fiz um jornalismo sadio. Conforme lhe disse na hora:”Sou amigo do circo-meu objetivo é o leão e os cavalos indianos”. Voltei a Redação,sem comentar a proposta indecorosa...
A VIDA COMO ELA É.