ROMÃ(CE)

Caloroso e vibrante. É como me lembro daqueles tempos no final da década de 70, onde as tardes passadas na casa de minha avó eram garantia de pura diversão e delícias. No espaço da cozinha, as mulheres mais velhas se mexiam de um lado pro outro, picando cebolas, provando molhos, preparando carnes com seus segredos cheios de temperos, que tomavam todo o ambiente e a imaginação da gente, principalmente quando nos mandavam buscar sabores na venda do turco que por causa da guerra, tinha fugido pro Brasil e sobrevivido graças as especiarias e histórias de sua mãe.

Entre bonecas, peões, bicicletas e livros, o tempo era medido por correrias, arranhões e muitos band-aids, mas depois de uma tarde de brincadeiras que tinha como pano de fundo um quintal com árvores e liberdade, esperava por mim na mesa da cozinha uma tigela esmaltada de um branco desmaiado pelo tempo, onde sobressaía o vermelho escarlate das bagas de uma romã docemente acarinhadas pelos grãos de açúcar. Primeiro comiam os meus olhos. Depois de saciados, estes davam a vez ao paladar, como um ato de cavalheirismo dos sentidos.

Me lembro que sentava na cadeira de balanço da minha avó, daquelas com telinha e madeira acastanhada e sentia na minha boca o doce dos grãos brancos a serem distraídos com o ácido da fruta, e a cada colherada aquele carrossel de emoções onde eu podia sentir o prazer de trincar cada baga e o aveludado da sua textura me envolvendo de novo. A tigela era esvaziada como se nada mais existisse ou importasse no mundo. A única coisa que conseguia me tirar do transe era perceber que as mãos da minha avó entravam em ação e começavam a descascar novas romãs que saciariam outros apetites.

Nunca mais comi romãs desde esses tempos de infância, talvez porque a preguiça de descascá-las me roube a vontade de come-las, ou, talvez porque me apeteça conservar o seu sabor somente na minha memória, intacto, sem falsificações e fiel a uma imagem de prazer hedonista.