OS FATOS COMO ELES SÃO...
 
 Foi pela década dos anos 70/80 que fui delegado de polícia e esse período  um tanto penoso, mas em compensação fértil para conhecer a alma do povo brasileiro. Ainda naquela época o delegado de policia era  considerado “autoridade” e mesmo soldado da Força Pública como originalmente era chamado, hoje PM,,jamais seria desrespeitado. Imaginem naquela época um soldado ser assassinado por um vagabundo...Não existia esse crime de “lesa pátria”... Agora está tudo mudado. E, para pior. Virou tudo de ponta-cabeça a casa de Noca...
                                                          Recentemente encontrei um bom advogado (também amigo) que freqüentava às vezes a delegacia de polícia e este lembrou que aquele tempo era eu encarregado do livro de “queixas”,já há tempos extinto...(após minha exoneração), e sorrindo dizia que eu havia escrito na capa do livro de “queixas”,arremedando e  incluindo=“impropérios”. Isso causava estranheza de todos... Impropério que é expressão invulgar quer dizer uma porção de coisas como diz o velho Aurélio= ato ou palavra  repreensível, ofensiva, vergonhosa, vitupério, doesto,afronta, etc. Até me divertia com isso, embora nem sempre fosse o caso. A burrice, a burocracia e atos humanos realmente não tem limites...
                                                        Assim, num fim de ano, por exemplo, surgiu um individuo reclamando que dois perus haviam sumido de sua propriedade e queria reavê-los. Difícil missão para a polícia procurar patos e perus, em todo o caso várias diligências foram feitas e nada. Esse individuo indignado pelo insucesso, foi até o delegado geral, em São Paulo, Capital, para reclamar da maior autoridade da polícia de SP e logo em seguida veio um “protocolado” – como se chama uma “queixa interna” – para informar e achar os perus do infeliz. Papel para cá papel para lá e nada de concreto. A conclusão não informada e –certamente foi o que ocorreu- algum espertalhão já havia digerido os perus e nenhuma diligência seria profícua para o queixoso.O mesmo para a polícia. Os perus já eram.  Não tinham retorno...
                                                      É bom dizer que entre 70/80 não existiam os Juizados chamados Especiais do Fórum, que cuidam de questiúnculas e cabia sempre ao delegado a dolorosa missão de achar patos, marrecos,perus e quizumbas (gíria: rolo). Resolver problemas que estavam afetos  ou não à polícia.
                                                      Outra queixa veio de uma moça(já casada) que emprestou o seu vestido de noiva para a amiga que ia se  casar. ( Sem nenhum desdém, isso=emprestar vestido de noiva- é coisa de pobre).Só que após o enlace , depois de meses, nada do vestido voltar às mãos da primeira consorte. (!?). Conclusão: queixa ao delegado que tinha o livro de queixas e impropérios...Agora acrescido com “quizumbas”. Depois de várias intimações não atendidas, finalmente aparece a amiga na delegacia com o clamado e reclamado vestido. Só que a dona não queria aceita-lo, pois faltavam algumas lantejoulas...e quinquilharias. Tudo diante do impassível delegado,ouvindo os impropérios   entre as ex-amigas. Conclusão: não tendo acordo ficou decidido que a dona levaria assim mesmo o seu vestido de volta para a casa e que jamais  emprestaria nada para ninguém.Foi o que jurou. Até hoje não se sabe se a ex-amiga tenha emprestado também a roupa de baixo... Isso não se discutiu, no auge da discussão. Essa tratativa era também uma “quizumba” a mais...

                                                     Esta, foi em outra cidade, quando numa velha casa funcionava a delegacia,numa esquina e também – como sempre se atendia ao público – com o famoso livro,ora extinto.(não sei a razão administrativa). Chegou um jovem bem caipira(respeitosamente) de chapéu no peito,segurado pelas duas mãos e disse que havia “roubado”(!?) a filha do patrão, lá da fazenda e ela estava na calçada esperando uma “ordem” do delegado para prosseguir na fuga.Queria algo por escrito.(sic). Queriam se casar e ela só continuaria a fugir com ordem do delegado,coisa oficial. Olhei pela janela –meio curioso- e a moça realmente estava na calçada aguardando a “ordem”. Ao que parece a moça já era maior e a resposta foi que o delegado não tinha nada com isso. Não tinha esse poder de dar ordens para fugir . Se houvesse o crime de rapto, quem deveria representar (formalizar queixa)seria o pai, que até então, nada sabia. O rapaz saiu triste e inconformado- sem a clamada suposta “ordem” e deve estar ainda hoje pelo mundo afora... com ou sem a consorte. Nada mais se soube a respeito do caso. A vida é assim, nem sempre   o pai é o primeiro a saber,igual a alguns maridos.OS FATOS COMO ELES SÃO