O cheiro do banho tomado

Por mais que se queira abordar temas amenos e leves, fazer uma longa divagação sobre o próprio umbigo e as situações ridículas em que nos metemos cotidianamente, o fato é que a situação geral está braba. As notícias dos jornais são desanimadoras. Não que precise de jornais ou revistas para me inspirar. Mas os assuntos me tocam. Fazer o quê? Não posso ignorar a triste realidade das ruas e dourar a pílula com mensagens animadoras. Sei muito bem que a maioria dos leitores não gosta desse tipo de assunto, e, cá entre nós, não é necessário repetir as notícias de jornais e nem mesmo comenta-las, pois todo o mundo está vendo e sentindo. E a grande imprensa é extremamente alarmista, ainda que eu ache que os alarmes estão tocando há tanto tempo que ninguém mais está dando bola para eles. E isso é muito natural. Quando um estímulo se manifesta durante muito tempo, o nosso cérebro se acostuma a ele e se adapta, razão pela qual o mau cheiro de uma sala, por exemplo, não será sentido por quem permanece dentro dela. Mas basta entrar alguém de fora para que a pergunta venha logo: quem peidou aí? E talvez seja este o motivo dos noticiários carregarem nas tintas para chamar a atenção, pois ninguém mais se escandaliza com as barbaridades. O fenômeno da banalização tomou conta de todos. Os crimes têm que ser retumbantes, os escândalos político-financeiros tem que ser mil vezes mais maquiavélicos do que o escândalo do Panamá, ou Watergate, ou o Irã-Contras, os mares de lama têm que ser verdadeiros tsunamis, afinal quem conseguirá roubar mais de trezentos milhões de dólares?

E nós, de tanto sermos bombardeados por notícias e pela guerra de informações, ficamos entendendo porque o papa acaba de reabilitar o inferno como um lugar real e concreto que em algures está pronto para recepcionar a enorme chusma de criminosos que habita o planeta, sem necessidade de passaporte ou de visto de entrada, um lugar um pouco pior que o Haiti. Lá o crime será comum, já que o lugar estará coalhado de seres de maus bofes e talvez banal, como aqui.

E nossos cérebros, no fenômeno de adaptação a estímulos permanentemente presentes, só pode desejar um pouco de paz e de sossego para descarregar as suas tensões e despertar revigorado, para um novo dia de céu azul e tranqüilidade. Essa é a hora de olhar o próprio umbigo e remover debaixo do chuveiro a grossa camada de sujeira que se acumulou por tanto tempo, e sentir o cheiro bom do sabonete.