O PINÓQUIO E A UVA

Em meu entender, as artes têm o poder de enternecer o homem e ao fazê-lo consegue humanizá-lo. Talvez por isso, desde muito jovem, descobri que tenho uma paixão enorme por todas as expressões artísticas. Em busca de alimentar o meu espírito, muitas vezes eu deixei de comprar as modas que minhas amigas usavam para que sobrasse dinheiro para eu ir a Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte assistir a peças teatrais.

Foi assim que eu consegui assistir à Macunaíma, Navalha na Carne, Gota D’Água, O Crime do Dr. Alvarenga, Madame Channell... Por influência de minha irmã caçula, Nandressa, que é artista plástica, um pouco mais tarde eu comecei a gostar de óperas e foi no Belém do Pará que eu me encantei com a primeira: Romeu e Julieta.

Recentemente, eu e alguns professores da Faculdade Pitágoras de Linhares fomos a Belo Horizonte, MG, acompanhando um grupo de alunos que visitariam Inhotim, o maior museu de arte contemporânea ao ar livre da América Latina, localizado em Brumadinho, a 60km da capital mineira. Seus espaços expositivos são divididos entre onze galerias dedicadas a obras permanentes, outras quatro para obras temporárias e diversas obras de arte espalhadas pelos seus lindos jardins. É comum, repentinamente, ouvirmos, ao longe, um coral ou uma orquestra e vermos pessoas de todas as idades sentadas ao chão, ouvindo-os ou curtindo a paz e a beleza do local.

Costumo ir muito a Belo Horizonte para satisfazer o meu espírito e desta vez não foi diferente. No Palácio das Artes estava sendo encenada a ópera Baile de Máscaras, mas como não havia ingressos disponíveis, eu e os professores Edinho Mora, Ângela Cristina Altoé e Keila Cuzzuol Pimentel Piol decidimos ir ao Esopo, “a Taberna dos Tempos”, localizada no Vale do Sereno, em Nova Lima, cujo cardápio internacional e carta de vinhos são maravilhosos.

Com decoração medieval e iluminação a luz de velas, a casa foi criada há 25 anos pelo artista plástico Ricardo Wagner, cujas telas magistrais enfeitam os diversos ambientes, sendo a mais bela delas exposta sobre o enorme palco, onde a partir de 23 horas começa o show dos “Os Saltimbancos”, inspirado na Commedia Dell'Arte e de dança.

Após uma “escrava grega” literalmente defumar o ambiente e de o Bobo da Corte ter anunciado com sinetes o espetáculo; ao som de música medieval, adentraram as Ciganas, a Morte e um graciosíssimo Flautista, a quem apelidamos de Pinóquio, em função de sua máscara cujo nariz lembrava esse personagem. Sucederam-se as danças e as brincadeiras interativas, envolvendo todos os presentes, sempre tendo a frente ora o Bobo da Corte, ora o nosso narigudo predileto, que, pela nossa alegria, demonstrava pelo grupo uma certa preferência.

Nesse show, à meia noite são solenemente coroados com louros a rainha e o rei da noite, normalmente, escolhidos pela animação ou cooperação com a trupe. Interessantemente, dessa vez a rainha eleita foi a professora capixaba Ângela Cristina Altoé, para quem todos os presentes se curvaram e a seu convite dançaram o Minueto, uma dança de origem francesa, no compasso ¾, comum na corte de Luiz XIV.

Findo o espetáculo, quando voltávamos para o hotel, um Chevrolet Meriva emparelhou-se com o nosso taxi e um jovem abriu o vidro para conosco se comunicar. Como eu seguia ao lado do motorista e sob o efeito de garrafas de vinho Arrogant Frog Pinot Noir, achei que aquele rosto poderia ser a real face do Pinóquio, que deixáramos há pouco no Esopo. Então, sem nenhuma cerimônia, eu abri o vidro da minha janela e lhe perguntei:

- Onde é que nós vamos beber a última, Pinóquio?

Como resposta eu ouvi: “Eu não bebo, minha senhora! Estou chegando agora de Brasília e vou para casa dormir”

Diante do riso dos amigos (e até mesmo do nosso motorista) ao perceberem a gafe que eu cometera, eu entrei no clima e perguntei:

- Jura que você não é o Pinóquio?

O moço acelerou revoltado e deve estar me xingando até agora. Quanto a nós, demoramos uma meia hora na frente do hotel, antes de subirmos, rindo de doer, sob os efeitos da uva pinot noir.